São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

LENTE

Reflexões sobre a auto-obsessão

"Eu sofro de autoestima acurada", anunciou um bêbado miserável em uma história em quadrinhos de Nova York.
Ele pode fazer parte da minoria. Pois, a se acreditar em alguns recentes estudos psicológicos, poucas pessoas estão qualificadas para julgar a si mesmas de maneira objetiva.
Você se acha bonito? Pense novamente. Um estudo publicado no Boletim sobre Personalidade e Psicologia Social revelou que a maioria das pessoas, ao comparar imagens de si próprias normais e aperfeiçoadas com o programa Photoshop, se consideram cerca de 20% mais bonitas do que realmente são.
"Apesar de nos vermos no espelho todos os dias, não parecemos exatamente iguais todas as vezes", disse ao "Times" um autor do estudo, Nicholas Epley. "Qual imagem é você? Nossa pesquisa mostra que a média das pessoas resolve essa ambiguidade a seu favor, formando uma representação de sua imagem mais atraente do que realmente é."
Por isso, aquele desconhecido com cabelo emaranhado, pele pálida e olhos vermelhos que aparece no espelho certas manhãs pode ser você, afinal. É claro, aparência não é tudo. Os princípios morais são muito mais importantes. Mas, antes que você se cumprimente por seus nobres ideais e atos, há estudos que mostram que nós também nos iludimos sobre isso.
Como relatou Benedict Carey ao "Times", "os psicólogos expuseram as muitas maneiras como as pessoas subconscientemente mantêm e massageiam sua autoimagem moral. Elas se classificam como moralmente superiores ao próximo; superestimam a probabilidade de que agirão de maneira virtuosa no futuro; veem suas boas intenções como dignas de elogios, enquanto rejeitam as dos outros como inconsequentes. E atenuam seus princípios morais quando fazem um trabalho realmente sujo, como executar ordens de explorar clientes desinformados".
A memória, escreveu Carey, tem uma função particular. Pesquisas mostram que tendemos a diminuir a importância de nossos lapsos morais com o passar do tempo, enquanto acentuamos nossa propensão a realizar boas ações.
É claro que essa autoilusão benigna pode se transformar em uma forma mais maligna de narcisismo.
Quase todo mundo já compartilhou um local de trabalho ou uma reunião de família com alguém tão pomposo e autoelogioso a ponto de ser totalmente insuportável. Mas quando esse comportamento desagradável constitui um verdadeiro distúrbio de personalidade?
A Associação Americana de Psiquiatria não tem certeza. Como relatou o "Times", a organização está discutindo se abandona seu diagnóstico de distúrbio de personalidade narcisista. O problema, infelizmente, não é uma falta de narcisismo.
"Existe muito egocentrismo no mundo, e o narcisista se tornou um tipo imediatamente reconhecível", disse ao "Times" o doutor Andrew E. Skodol II, professor de pesquisa psiquiátrica na Faculdade de Medicina da Universidade do Arizona. Casos extremos de narcisismo, salientou, compensam profundas inadequações e exigem um diagnóstico complexo, daí o pedido para uma distinção da variedade comum.
Na extremidade oposta do espectro do narcisismo está a doença conhecida como transtorno dismórfico corporal. Os que sofrem disso são tão obcecados por um defeito físico percebido que muitas vezes se recusam a sair de casa sem cobrir o rosto. Outros recorrem a drogas, álcool ou cirurgia cosmética compulsiva, mas, quando um defeito imaginário foi "corrigido", outro, muitas vezes, surge para substituí-lo.
O melhor tratamento, relatou o "Times", é uma combinação de terapia comportamental cognitiva e drogas de reforço da serotonina. Na terapia, os pacientes aprendem a incorporar o defeito imaginário em uma visão mais completa de si mesmos.
Eles também podem seguir o conselho de um antigo ditado: quando olhamos no espelho, estamos vendo o problema, mas também a solução.

KEVIN DELANEY
Envie comentários para nytweekly@nytimes.com.




Texto Anterior: Sem trabalho? Jovens criam seu próprio emprego

Próximo Texto: Tendências Mundiais
O destino dos segredos na era do WikiLeaks

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.