São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Europa teme imigrantes após revoltas árabes

Por RACHEL DONADIO
e SUZANNE DALEY

LAMPEDUSA, Itália - Até poucas semanas atrás, a campanha europeia contra a migração vinda da África era considerada tão eficaz que as autoridades basicamente haviam desativado o centro de triagem nesta minúscula ilha do Mediterrâneo.
Mas, nos últimos dois meses, em meio à onda de rebeliões que se propagou a partir da Tunísia, Lampedusa já recebeu 6.000 refugiados.
As revoltas derrubaram ou abalaram ditadores que haviam negociado com a Europa uma série de benefícios, inclusive ajuda e prestígio diplomático, em troca de impedir os migrantes de cruzarem o Mediterrâneo.
Observadores apontam abusos aos direitos humanos dos migrantes por causa desses arranjos. "Esses acordos são com Estados parceiros que, muitas vezes, não têm os mesmos padrões que a Europa", disse Bill Frelick, autor de um relatório da Human Rights Watch. "Eles costumam tratar os migrantes de forma humilhante e degradante."
O senador e ex-premiê italiano Lamberto Dini, que participou da negociação do acordo com a Líbia, diz que tais relatos "não foram provados".
Agora, sem déspotas que deem uma ajuda, muitos na Europa temem enfrentar novas levas de migração ilegal, não só do norte do continente como também da África Subsaariana.
Esses migrantes chegariam num momento em que grande parte da Europa -às voltas com o desemprego e a estagnação econômica- já está inundada por um sentimento anti-imigração, e muitos países dizem ser simplesmente incapazes de absorver mais migrantes pobres.
"Na Itália, há realmente pânico", disse Anna Triandafyllidou, especialista em migração na Fundação Helênica para a Política Externa e Europeia. "Tudo está no ar, e ninguém sabe o que fazer."
Num acordo assinado em 2008, Roma prometeu a Trípoli US$ 5 bilhões durante 20 anos, em troca de a Líbia coibir a partida de migrantes.
Segundo o ministério italiano do Interior, mais de 36 mil imigrantes desembarcaram nas praias do país ao longo de 2008, vindos não só do Norte da África, como também do Chifre da África, Níger e da Nigéria.
Após o tratado, esse número caiu para 9.500 em 2009, e as chegadas a Lampedusa praticamente pararam.
Agora, os imigrantes detidos mais uma vez superam a população habitual da ilha, de 6.000 pessoas, segundo o ministério.
A certa altura, havia tantos imigrantes aqui que as autoridades permitiram que eles vagassem livremente pela ilha, em vez de mantê-los presos.
Dentro do centro de triagem, centenas de jovens, quase todos advindos da Tunísia, estavam ávidos por mandarem uma mensagem aos visitantes: "Queremos trabalhar".
Eles contaram que desejavam permanecer na Itália ou ir para a França com o objetivo de procurar emprego.
Também a Espanha, ao longo dos anos, contou com a ajuda de Marrocos e de outros países africanos para lidar com a questão dos imigrantes.
Especialistas dizem que Madri ofereceu a esses países equipamentos para patrulhar suas costas e ajuda econômica de todo tipo -de modo que os imigrantes tivessem menos motivos para sair, e os governos africanos tivessem mais razões para ajudar.
Às vezes, a União Europeia também banca esses projetos.
Defensores dos direitos humanos dizem que alguns desses acordos fazem vista grossa a abusos. Em um relatório publicado em 2009, a Human Rights Watch disse que os migrantes que conseguiam chegar a Malta e à Itália relatavam que foram espancados e tiveram dinheiro e documentos roubados enquanto estavam detidos na Líbia.
O relatório também disse que bastões de choque elétrico foram usados para retirar à força os migrantes de barcos na Líbia. E alguns disseram ter sido devolvidos a traficantes que exigiam resgates para libertá-los.
Nas últimas semanas, autoridades italianas têm alertado para um "êxodo bíblico", em que até 300 mil pessoas poderiam chegar, embora muitos especialistas digam que essa cifra serve muito mais para acirrar os ânimos internamente do que para refletir a realidade com clareza.
Especialistas dizem que qualquer número não passa de conjectura, dada a fluidez da situação no Norte da África e as dificuldades em distinguir entre o número de trabalhadores que tentam voltar para casa e os refugiados que tentam escapar.
Tommaso Della Longa, porta-voz da Cruz Vermelha Italiana em Lampedusa, disse que a organização estava instalando um hospital de campanha no cais da ilha para atender os imigrantes após suas árduas travessias.
"É melhor estarmos preparados", disse ele, "se -e sublinho o 'se'- os milhares de imigrantes de que as pessoas estão falando chegarem."


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