São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 2011

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ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

Incidente expõe aliança desgastada

Por MARK MAZZETTI
WASHINGTON - No final de janeiro, segundo relato da polícia paquistanesa, Raymond A. Davis -agente de segurança secreto a serviço da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês)- descarregou uma pistola Glock contra dois paquistaneses armados em uma rua em Lahore.
Para muitos paquistaneses, o incidente confirmou as suspeitas de que os EUA teriam posicionado em seu país um Exército secreto de espiões e agentes terceirizados.
O caso chamou atenção para um jogo maior e mais perigoso no qual Davis parece ter desempenhado papel de coadjuvante.
Segundo autoridades americanas, a equipe da CIA em que Davis trabalhou tinha a tarefa de colher informações sobre o Lashkar-e-Taiba, o militante "Exército dos Puros".
O establishment paquistanês vem apoiando o Lashkar há anos, como força para atuar "por procuração", atacando alvos e inimigos na Índia e na parte da Caxemira que é controlada pela Índia. Recentemente, porém, dizem as autoridades, o Lashkar ampliou seu papel de modo a incluir uma jihad contra os EUA e a Europa.
Durante visita que fez a Islamabad em julho passado, o almirante Mike Mullen, presidente do Estado-Maior Conjunto, declarou o Lashkar "uma ameaça global".
Talvez fosse inevitável que o Lashkar provocasse tensões entre as autoridades de segurança paquistanesas e americanas. Em lugar de ser uma causa do problema, Raymond Davis foi apenas um sintoma.
Pelo fato de o Lashkar ser alimentado há muito tempo pela agência de espionagem paquistanesa, o Diretório de Inteligência Inter-Serviços, ou ISI, as operações de espionagem americanas contra o grupo encerram riscos graves.
Christine Fair, professora da Universidade Georgetown, em Washington, que estuda as operações do Lashkar, disse que o governo do Paquistão fundou o grupo nos anos 1980 para combater a União Soviética no Afeganistão, uma guerra que o ISI travou em aliança com a CIA. Mais tarde, o então presidente paquistanês, Mohammad Zia ul-Haq, começou a enviar combatentes do Lashkar para a Caxemira.
O Lashkar foi proibido pelo governo do presidente Pervez Musharraf em 2002 e declarado organização terrorista pelas Nações Unidas três anos mais tarde. Mas o grupo não opera como organização clandestina.
Protegido por guardas, Hafiz Muhammad Saeed, seu líder carismático, profere sermões regulares em Lahore às sextas-feiras, criticando o que descreve como o imperialismo de EUA, Israel e Índia. Homem robusto com barba desgrenhada, Saeed já foi posto em prisão domiciliar em vários momentos nos últimos dez anos, mas, em 2009, a Alta Corte de Lahore derrubou todas as acusações feitas a ele e o colocou em liberdade.
A mesma corte foi encarregada de decidir o destino de Raymond Davis, mas ele foi liberado no dia 16 de março depois que militares americanos indenizaram os familiares das vítimas.
A grande sede do Lashkar em Muridke, subúrbio de Lahore, contém não apenas uma madrassa radical e alojamentos para os professores da escola, mas também um mercado, um hospital e uma criação de peixes.
Especialistas em terrorismo dizem que o complexo foi construído com doações de benfeitores da Arábia Saudita e outras partes do mundo árabe. O Lashkar também levanta fundos no Paquistão por meio de sua organização política aliada, Jamat-ud-Dawah, um grupo que opera escolas, clínicas médicas e bancos de sangue no país.
O Lashkar critica EUA e Israel há muito tempo e já jurou que "plantaria uma bandeira" em Washington e Tel Aviv.
Funcionários de inteligência americanos acreditam que centenas de agentes do Lashkar estejam operando no Afeganistão, atacando tropas americanas.
Autoridades de contraterrorismo europeias creem que o Lashkar estuda a possibilidade de lançar ataques em capitais ocidentais, semelhantes aos lançados pelo grupo em Mumbai em novembro de 2008.
Seth G. Jones, cientista político sênior da RAND Corporation, instituto de estudos das Forças Armadas dos EUA, disse que um ataque do Lashkar no Ocidente teria consequências de longo alcance, pois Washington atribuiria a culpa ao ISI.
Mas Wendy Chamberlin, ex-embaixadora dos EUA em Islamabad, disse que a guerra no Afeganistão faz com que seja impossível para os EUA encerrarem seu relacionamento com o Paquistão, pois não existem rotas melhores para transportar todos os suprimentos militares que hoje passam pelo Paquistão.


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