São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Iraque falha em cuidar de águas ameaçadas


Negligência provoca danos ambientais e econômicos

Por STEVEN LEE MYERS

SIBA, Iraque - O rio Shatt al Arab, que flui do bíblico local do Jardim do Éden até o golfo Pérsico, se transformou em um desastre ambiental e econômico que o novo governo democrático do Iraque é quase impotente em resolver.
Abalado por décadas de má administração ditatorial e, depois, por negligência, pela seca e pela sede dos vizinhos do Iraque, o rio formado pela convergência do Tigre e do Eufrates não tem mais força para repelir o mar.
A água salgada do golfo hoje sobe pela península de Faw. Ela destruiu pesqueiros de água doce, gado, plantações e bosques de tamareiras que um dia tornaram essa área famosa, obrigando milhares de agricultores a migrar.
Em uma terra de dificuldades, resignação e profunda fé, o desastre ao longo do Shatt al Arab é visto por alguns como obra de um poder maior.
"Não podemos controlar o que Deus faz", disse Rashid Thajil Mutashar, vice-diretor de Recursos Hídricos, em Basra.
Mas os seres humanos influíram na decadência do rio. Turquia, Síria e Irã contiveram as águas que fluem para o Tigre e o Eufrates e, finalmente, para o Shatt, deixando as autoridades iraquianas com pouco a fazer além de suplicar que os vizinhos liberem mais água de sua moderna rede de barragens.
O problema ambiental tornou-se especialmente agudo no ano passado, quando o Irã cortou totalmente durante dez meses o fluxo do rio Karun, que se une ao Shatt ao sul de Basra.
A água retornou depois das chuvas de inverno, mas a uma fração dos níveis anteriores.
Nos anos 1980, o Irã e o Iraque lutaram por causa do Shatt al Arab, que forma a fronteira meridional entre os dois países e ainda está cheio de carcaças enferrujadas dos navios afundados naquela guerra.
Hoje, apesar da melhora das relações após a queda de Saddam Hussein, o rio mais uma vez torna-se fonte de tensão diplomática.
O ministro iraquiano dos Recursos Hídricos, Abdul Latif Jamal Rashid, disse que os problemas ambientais e as disputas sobre os direitos à água são um legado que restou da ditadura.
Hussein desviou o fluxo da água para o sul para uma trincheira durante a guerra com o Irã e secou os pântanos do sul do Iraque na década de 1990. Sua beligerância em relação aos vizinhos também deixou o Iraque isolado -e enfraquecido- quando esses países construíram suas represas, barrando a água que durante milênios correu pela Mesopotâmia, a "terra de dois rios".
"O Iraque não estava em posição de rejeitar nem de cooperar com eles", disse Rashid. "Eles fizeram o que quiseram."
Em Basra e nas aldeias na margem iraquiana do Shatt, o impacto do desastre foi profundo. As águas doces que um dia correram pelos canais de Basra estão fétidas e cheias de lixo.
O sal poluiu tanto os mananciais de água potável que o governo cavou canais a partir do norte que ultrapassam o Shatt -o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al Maliki, inaugurou um deles antes da eleição nacional deste ano- e transporta em caminhões água doce para a maior parte da região.
Qualquer pessoa que possa evitar não consome água da torneira, que é salgada e deixa manchas nos copos quando seca.
Em Siba, do outro lado do rio, diante de Abadã, a água salgada está lentamente destruindo a agricultura, a principal fonte de renda além do petróleo.
O ministro Rachid disse que o problema vem ocorrendo há décadas e levará mais décadas para ser solucionado.
Um benefício da democracia no país, ele disse, é que os problemas se tornaram públicos, algo que não acontecia sob o domínio de Saddam.
"Agora veio à superfície", disse, "porque o Iraque é um país livre".


Colaborou Zaid Thaker


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