São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Seriado faz NY se sentir mais segura


Em "Law & Order", crimes pareciam menos aleatórios

Por BRUCE HEADLAM

Em 1990, quando estreou a internacionalmente aclamada série de televisão "Law & Order", 2.245 pessoas foram assassinadas em Nova York, e várias dessas vítimas se tornaram símbolos da violência insensata e aleatória que atingia a cidade. Brian Watkins, jovem turista do Estado de Utah, foi morto ao tentar impedir que uma gangue atacasse sua mãe no metrô. John Reisenbach, executivo de 33 anos, levou um tiro de um sem-teto enquanto usava um telefone público no bairro de West Village. No ano seguinte, balas perdidas mataram 92 pessoas, incluindo muitas crianças. A Grande Maçã estava "apodrecendo", declarou uma capa da revista "Time"; um editorial do "New York Times" naquele ano falou de "uma nova Beirute". Até o escritor Pete Hamill, grande defensor da cidade, escreveu: "Nova York está morrendo". Mas "Law & Order", seriado retransmitido em todo o mundo -Brasil incluído-, ajudou a modificar as percepções e a trazer os turistas de volta à cidade. Durante os 20 anos de carreira do programa, que terminou recentemente, Dick Wolf, seu criador, ganhou prêmios e centenas de milhões de dólares para a rede de televisão NBC, enquanto trazia milhares de empregos para Nova York. Mais que outros autores e cineastas associados à cidade nessa época, porém -Tom Wolfe, Richard Price, Martin Scorsese-, Wolf também criou a narrativa popular de uma era em que a criminalidade caiu em um ritmo sem precedentes. Se a autora Edith Wharton é identificada com a era de ouro da cidade, Wolf é o principal cronista de sua era da recuperação, quando Nova York tornou-se novamente segura. Considere o início de um típico episódio de "Law & Order": algumas pessoas fazem suas tarefas nas ruas de Manhattan -sejam nova-iorquinos tarimbados ou turistas perdidos-, quando tropeçam em uma vítima. "Esse era o formato de Dick", disse Ed Zuckerman, ex-redator do programa. "Um sujeito estava passeando com o cachorro e encontrava um corpo na lata de lixo." O crime parece aleatório -um corretor da Bolsa, um aluno de escola particular ou uma dona de casa encontrados assassinados em uma parte perigosa da cidade- e, para os nova-iorquinos, totalmente identificável. Mas, enquanto os roteiros de "Law & Order" parecem assustadoramente familiares -Wolf muitas vezes diz que sua bíblia do roteiro era a primeira página do jornal "New York Post"-, algo muito diferente acontecia sob a superfície. O programa superou o realismo duro de "Hill Street Blues" e o fatalismo operístico de "Homicide: Life on the Street". Seus detetives, Logan, Briscoe e os demais, não espancavam suspeitos, aceitavam propina ou pulavam na cama com as vítimas. Em vez disso, entrevistavam os suspeitos, liam seus direitos, esperavam por relatórios de balística e verificavam sua matemática. Eles eram tiras modelos dos anos 90 -frios, profissionais e intercambiáveis. E, ao puxar os cordões do caso, um padrão e um motivo sempre apareciam. Ao contrário da Nova York real, quase não há um crime de rua puro em "Law & Order". Em um programa obcecado pela estrutura de classes da cidade, era muito mais provável alguém ser assassinado por seu assessor financeiro do que por um traficante de drogas. A criminalidade não tem uma causa única, o programa parecia argumentar, mas os crimes sim, e podem ser solucionados um a um. "O público teme pessoas totalmente estranhas", disse Andrew Karmen, criminologista e autor de "New York Murder Mystery: The True Story Behind the Crime Crash of the 1990s" (Assassinato misterioso em NY: a verdadeira história por trás da queda dos crimes na década de 90). "E, se você examinar os casos solucionados, é mais provável alguém ser morto por uma pessoa conhecida." O procedimento central do programa vinha das páginas finais do manual do Manhattan Institute, centro de pesquisa conhecido por seu pensamento sistemático sobre a criminalidade. "A segunda parte do programa" -quando os promotores ocupavam o centro do palco- "não poderia existir sem a primeira", disse James Sanders, arquiteto e autor de "Celluloid Skyline: New York and the Movies" (Horizonte de celuloide: Nova York e o cinema). "Se Nova York desmorona um pouco na primeira meia hora, a segunda é a da recuperação." Wolf retratou uma cidade em que não havia crimes sem sentido, somente crimes que ainda não haviam sido compreendidos. Ele pegou as convenções da novela policial e as colocou em uma cidade ingovernável. Ao fazer isso, para um público internacional, ele retirou o aspecto aleatório da violência em Nova York. "No final do programa", disse Karmen, "eles davam uma falsa impressão no sentido de que o crime não compensa e que o braço da lei agarra os criminosos".

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