São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Incerteza financeira recupera o brilho do ouro como refúgio

Por NELSON D. SCHWARTZ

É a renascida paixão da turma do apocalipse, uma aposta em que tudo vai dar errado. Inflação, deflação, dívida pública ou queda do euro -essas e outras preocupações motivam uma corrida do ouro, levando sua cotação a novos recordes e ilustrando como o medo da turbulência econômica deixou de ser algo marginal.
E os adeptos do ouro, tantas vezes tratados como malucos que guardam barras preciosas no porão, estão finalmente levando a melhor.
"Simplesmente acho que a gente está num mundo em que muitas contas estão sendo acertadas", disse John Hathaway, gestor do fundo Tocqueville Gold. "O ouro é uma saída de emergência."
A Casa da Moeda dos EUA está ficando sem moedas de ouro, e a da África do Sul no final do mês passado aumentou em 50% a produção da sua moeda "Krugerrand", chegando ao seu maior nível em 25 anos, por causa da forte demanda europeia.
A crise da dívida na Europa e a consequente desvalorização do euro são os mais recentes catalisadores para o fato de o ouro ter atingido US$ 1.254 por onça (US$ 41,82 por grama), um recorde se não for descontada a inflação.
A maior preocupação, no entanto, é de que até nos EUA o endividamento governamental fique insustentável, e que chegue a hora da verdade. As vendas das "American Eagles", moedas de ouro de 1 onça, triplicaram de abril para maio.
Se os governos imprimem mais dinheiro para pagar suas dívidas, diz a lógica, a inflação destrói o valor das suas moedas, o que fortalece o ouro. Além disso, com a possibilidade de aumentos tributários e com a Europa na beira do abismo, o impensável -um calote da dívida soberana ou o colapso do sistema de crédito- de repente se tornou pensável.
É certo que os compradores de ouro sempre foram motivados pelo medo. O que mudou foi que alguns dos mais respeitados investidores de Wall Street agora estão entre os medrosos.
"Nos últimos anos, passamos de uma bolha e um resgate para os seguintes", disse num discurso no mês passado David Einhorn, gestor financeiro de Nova York, um dos primeiros a prever a quebra do Lehman Brothers. "Nossa posição em ouro reflete a preocupação de que nossas políticas fiscais e monetárias não estejam suficientemente voltadas para evitar uma possível crise."
Desde os tempos antigos, o ouro é considerado intrinsecamente valioso, mantendo-se assim mesmo quando governos caem e moedas desabam, e aparentemente enfeitiçando seus proprietários.
Apesar disso, o ouro também pode cair -às vezes fortemente. Após chegar, em 1980, a mais de US$ 800 por onça, o ouro despencou nas duas décadas seguintes, aproximando-se dos US$ 250 em 1999. Mas, ao contrário de papéis que podem virar pó, o ouro sempre mantém ao menos parte do seu valor.
Ao mesmo tempo em que se intensificaram as preocupações com a economia global, ficou mais fácil comprar ouro. Embora algumas pessoas ainda considerem as barras de ouro num cofre como a melhor apólice de seguros que há, nos últimos anos explodiu a popularidade dos fundos ETF que aplicam em ouro. Esses fundos têm títulos negociados como ações da Bolsa, mas acompanham a cotação física do ouro. Segundo o Credit Suisse, tais fundos detêm 1.684 toneladas de ouro; em 2005, tinham menos de 500.
Daniel Arbess, que gere mais de US$ 2 bilhões no fundo Xerion, da Perella Weinberg, é um dos novos amantes do ouro. Ele disse que, há poucos anos, não teria parado para ver o metal como investimento.
Agora, esse investidor em geral conservador leva o ouro muito a sério.
Os explosivos deficit de EUA, Japão e Reino Unido são insustentáveis, disse ele, e podem afinal abalar a confiança nas chamadas "moedas fiduciárias" -as que não são amparadas pelo ouro, como o dólar.
"Países endividados podem em breve ser forçados a escolher entre três alternativas politicamente difíceis: cortes agudos nos gastos, moratória da dívida ou imprimir dinheiro para pagar dívidas", disse ele, sendo a última opção a mais provável.
O ouro, disse ele, é uma proteção lógica contra esse risco, porque acionar as máquinas de imprimir dinheiro acende a inflação.
Muitos adeptos do ouro parecem estar se preparando para uma catástrofe. O gestor Hathaway disse que o sistema de crédito já entrou na fase de "fim de jogo". "As pessoas provavelmente ainda me acham maluco", afirmou, "mas pelo menos não estou mais falando sozinho numa câmara de isolamento -agora temos companhia".


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