São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Ela não confia em você? A culpa é da testosterona


Hormônio eleva o ceticismo em momentos-chave

Por NICHOLAS WADE

O adesivo que mantém a sociedade humana unida é a confiança. Mas quem confia demais nos outros tende a ser enganado.
O lado "confiança" dessa equação é mediado por um hormônio cerebral chamado oxitocina. Um toque suave ou uma carícia enviam uma injeção de oxitocina ao fluxo sanguíneo de uma pessoa.
Pesquisadores suíços descobriram em 2005 que um jato de oxitocina deixava jogadores em um jogo de investimentos mais dispostos a entregar seu dinheiro a estranhos.
Pode parecer estranho que exista uma influência hormonal em um cálculo tão delicado quanto o de confiar ou não em uma pessoa. Mas talvez a confiança seja tão importante para a sobrevivência de uma sociedade que a seleção natural gerou uma base hormonal para ela.
De qualquer forma, a confiança tem uma desvantagem: corremos o risco de entregar dinheiro demais a alguém que promete gerar retornos constantes. É preciso que exista um antídoto à oxitocina, algo que, quando as circunstâncias o exigem, leve uma pessoa a reprimir aqueles sentimentos calorosos e pouco discriminadores.
Pesquisadores da Universidade Utrecht, na Holanda, informam ter identificado esse antídoto: é a testosterona. Eles deram a mulheres jovens uma dose do hormônio, na forma de uma gota de líquido sob a língua, e, então, pediram que avaliassem a confiabilidade de uma série de rostos de homens, mostrados em fotos.
As mulheres mostraram tendência consideravelmente menor de confiar em um rosto quando tinham recebido testosterona e não um placebo, disse a equipe holandesa em "The Proceedings of the National Academy of Sciences".
Mas o efeito alertador não foi igual em todas as mulheres do estudo. As que já tinham tendência menor a confiar, conforme foi avaliado pelo teste com placebo, praticamente não foram afetadas pela testosterona. Foram as mulheres confiantes cuja atitude foi mais modificada pelo hormônio -como seria de se esperar se a seleção natural tiver desenvolvido o sistema para as mais necessitadas de proteção.
"A testosterona reduz a confiança interpessoal, de maneira aparentemente adaptadora", concluem os pesquisadores.
Em muitos mamíferos, o efeito da testosterona é sobretudo o de promover a agressão, quando indivíduos competem por status social ou recursos.
A equipe holandesa enxerga o papel do hormônio nos humanos sob ótica mais benevolente. "Nos humanos, o hormônio parece motivar decisões racionais, escrutínio social e argúcia, as ferramentas aparentes para o sucesso na sociedade moderna", escrevem.
O biólogo evolutivo Marc Hauser, da Universidade Harvard, disse que a nova descoberta é "muito significativa" e abre a porta ao estudo dos mecanismos que orientam a confiança, os relacionamentos sociais e o senso de justiça, além das origens das variações entre pessoas.
Sabe-se por outros estudos que a testosterona reforça a libido das mulheres e que há um pico em sua produção logo antes da ovulação. Do ponto de vista evolutivo, parece natural que a mulher se interesse mais pelo sexo quando tem mais chances de conceber. Mas como a propriedade da testosterona de aumentar a desconfiança se encaixa nesse quadro?
"Mais ceticismo quanto à confiabilidade de um parceiro potencial também faz sentido evolutivo, em cenários nos quais o apoio contínuo do pai é crucial à sobrevivência do bebê", escrevem Ryan T. Johnson e S. Marc Breedlove, da Universidade do Michigan, em comentário.
Portanto, rapazes, vocês já sabiam que as mulheres são complexas, mas a situação é pior do que pensavam: no momento em que mais os desejam, elas confiam menos em vocês.


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