São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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ENSAIO

DAN BARRY

Cidades irmãs vivem realidades distantes

EL PASO, Texas - No começo de uma ponte que une El Paso, nos EUA, a Ciudad Juárez, no México, um agente da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos avisa dois pedestres que eles não devem se desgarrar quando chegarem à cidade mexicana. Fiquem na avenida principal, evitem ruas laterais. Cidade perigosíssima. Ok?
Os pedestres aquiescem e se juntam ao vaivém humano entre uma das cidades mais seguras dos EUA e uma das mais violentas do mundo -piorando a cada mês. A caminhada, incluindo uma pausa para ver o rio Grande, leva cinco minutos.
No outro lado, joviais soldados mexicanos seguram suas armas, em pé. Homens vagueiam diante de lojas vazias e deterioradas. Mendigos puxam o seu casaco. Então um taxista aparece para perguntar se os visitantes precisam ir ao necrotério.
Uma pergunta legítima, talvez, numa cidade onde uma das chacinas mais recentes -que deixou 16 mortos, a maioria deles adolescentes- ocorreu há poucas semanas. Uma cidade com quase 250 homicídios no mês passado, cerca de um a cada três horas.
Onde os assassinatos saltaram de cerca de 300 em 2007 para em torno de 1.620 em 2008 e 2.660 em 2009.
A guerra entre os cartéis de narcotraficantes que estourou há dois anos em Juárez, matando milhares e dando origem a uma sensação geral de ausência da lei, deixa claro que o barrento rio Grande divide a paz da violência. E El Paso se tornou uma espécie de cidade-santuário para as empresas, as pessoas e até para a cultura de Juárez.
El Paso, com 740 mil habitantes, e Juárez, com 1,4 milhão, há muito tempo são irmãs urbanas, já que dezenas de milhares de pessoas transitam entre elas todos os dias por causa de trabalho, compras ou visitas. Mas a guerra dos cartéis complica as coisas: a violência em Juárez pode parecer longe demais e, ao mesmo tempo, tão próxima.
Eis Carlos Spector, 54, advogado especializado em imigração, dono de cidadania dupla, que já teve escritório e programa de televisão em Juárez. Depois de receber ameaças de militares mexicanos, ele diz: "Não vou, não posso ir".
Eis também Omar Herrera, que, com dois irmãos, recentemente inaugurou o María Chuchena, um dos vários restaurantes elegantes de Juárez que ressurgiram em El Paso.
Embora tenha apenas 26 anos, ele costuma se lembrar com saudade da vibração de Juárez antes da guerra das drogas. "Ninguém em Juárez vinha a El Paso para nada", diz ele. "Era o contrário."
E, no centro de El Paso, há outro exemplo: uma mulher, cujo nome não será revelado, que ergue a blusa para exibir, ainda fresca, a confirmação da vida armada que se leva em Juárez, a poucos quilômetros do seu esconderijo.
Ela tem 36 anos; seu marido, 40. A filha deles, 12, não foi à escola outra vez e está no quarto. Depois de ver a mãe baleada, a menina a quer por perto.
O caráter familiar dessa história torna tudo mais angustiante. É noite de quarta-feira. Uma família da classe trabalhadora relaxa em frente de casa. Homens armados e mascarados. Tiros.
O irmão dela: morto. Uma cunhada: morta. O padrasto da cunhada: morto. Mesmo alvejada várias vezes, a mulher rolou para baixo de uma caminhonete e se fingiu de morta.
Ela passou dois meses internada em um hospital de Juárez, mas sua saúde continuou declinando depois de receber alta. Foi então internada no Centro Médico Universitário de El Paso, tornando-se 1 das 83 vítimas da violência mexicana atendidas no ano passado pelo hospital no lado americano.
A família agora se senta na pequena sala de um apartamento emprestado, sem saber direito o que lhe aconteceu. O marido chacoalha a cabeça. Sabe que a família não está ali legalmente, e que suas chances de receber asilo são pequenas. Mesmo assim, diz, em espanhol: "Não podemos voltar". Voltar para uma casa a menos de meia hora do esconderijo da família.


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