São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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Inteligência/Roger Cohen

Uma lição de ética

Teerã

Stalin observou que "não é quem vota que conta, mas quem conta os votos". Quando os votos foram contados na eleição presidencial do Irã, aconteceu algo estranho. O presidente Mahmoud Ahmadinejad obteve uma vitória esmagadora, mas então se sentiu obrigado a esmagar a oposição, com mortes, esfaqueamentos, espancamentos e uma exibição de força maciça. Não é que o que normalmente se faz quando se conquista 63% dos votos em uma eleição nacional.
Para um número enorme de iranianos, a vitória de Ahmadinejad não é digna de crédito. Para mim, tampouco. "Eles nos fizeram sair para votar, mas nosso voto não teve consequência", disse-me um estudante de medicina na manifestação oposicionista promovida três dias após a eleição. Não sei quantas pessoas havia naquela multidão. Com certeza havia centenas de milhares, possivelmente mais de 1 milhão. O medo evapora quando se está numa multidão. A dignidade vira um escudo. A força é transferida da arma de fogo para o espírito. Os números se tornam irresistíveis.
"Onde estão os 63%?" indagava uma faixa. Ahmadinejad diz que conquistou todos esses votos, mas a farsa eleitoral o enfraqueceu. Na realidade, a eleição iraniana está mostrando como a autoridade moral se deslocou no palco mundial desde que o presidente dos EUA, Barack Obama, assumiu o poder. Dois dias após a eleição, Ahmadinejad falou a correspondentes estrangeiros sobre os males da democracia liberal, em contraste com a democracia islâmica do Irã, "que emana da ética".
A democracia liberal é uma farsa, ele sugeriu, destituída de ética e dominada por "alguns poucos quadros políticos que exercem poder sobre o povo". As potências arrogantes que praticam essa forma de democracia não demorarão a ser superadas, segundo ele.
"O sistema erguido após a Segunda Guerra Mundial está abalado e deve ser colocado na lata de lixo da história", disse Ahmadinejad. "Precisamos de um novo sistema baseado na justiça e na ética -um novo sistema humanitário."
Essa mensagem vem encontrando alguma ressonância nos últimos anos, de Caracas a Jacarta. Ahmadinejad conseguiu ser, para muitas pessoas, o anti-Bush. Mas ouvir palavrório sobre justiça e ética no momento em que o voto da população iraniana acabava de ser desrespeitado com arrogância brutal trouxe toda uma nova compreensão da acepção orwelliana do mundo.
Obama deveria ter condenado a violência pós-eleitoral do Irã com vigor maior, mas ele estava certo quando observou que a história envenenada das relações americano-iranianas dificulta qualquer intervenção dos EUA.
Agora, a dignidade e a civilidade dos iranianos que votaram no reformista Mir Hussein Mousavi enfrentam um regime desnudado em toda sua intransigência. É impossível saber qual será o resultado. Mas é certo que o poder do espírito não pode ser medido em números.
O povo iraniano deu uma lição de ética ao mundo, enquanto Ahmadinejad destituiu sua mensagem global de qualquer significado que ela possa ter tido.

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