São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Após choque de cartéis, cidade vive paz frágil

Por MARC LACEY

NUEVO LAREDO, México - As lembranças dos dias violentos de Nuevo Laredo ainda marcam suas ruas -há buracos de balas e impactos de granadas onde os traficantes de drogas antes exibiam seu poder, tapumes fechando os prédios dos comerciantes que fugiram da anarquia e, até algumas semanas atrás, quando foram derrubados pelo governo, santuários à beira da estrada para a Santa Morte.
Mas o que torna Nuevo Laredo notável hoje é a relativa calma que pasou a reinar sobre essa cidade mexicana de fronteira. O Estado de Tamaulipas, onde se situa Nuevo Laredo, costumava ser o centro da guerra das drogas no México. Essa distinção mudou para oeste ao longo da fronteira dos Estados Unidos com o México, para Ciudad Juárez e Tijuana, onde a violência explodiu em decorrência de disputas relacionadas ao tráfico.
Mas a transformação de Nuevo Laredo de zona de guerra em uma cidade comum não é necessariamente o que parece. O crime organizado foi para o subterrâneo e continua temido e próspero, ainda que não esteja mais no comando.
Essa paz instável talvez seja a melhor solução que o México poderá ter para sua antiga guerra das drogas, por isso Nuevo Laredo seria uma visão do futuro do país. As autoridades reconhecem que seu objetivo realista não é eliminar o crime organizado, mas enfraquecê-lo a ponto de que se possa retomar algo parecido com a vida cotidiana.
O governo despejou soldados em Nuevo Laredo durante os mandatos do presidente Felipe Calderón e de seu antecessor, Vicente Fox. Eles assumiram posições ao redor da cidade e substituíram a força policial, que era considerada uma aliada corrupta dos cartéis.
Mas o Exército não derrotou de fato os traficantes, nem os cercou e os tirou do negócio. Sobretudo, dizem as polícias dos dois lados da fronteira, uma guerra brutal e prolongada entre os cartéis rivais chegou ao fim quando um dos lados, o cartel do Golfo, superou o rival cartel de Sinaloa. Mas muitos dos criminosos mais procurados, responsáveis pela violência, escaparam e continuaram seus negócios sob as sombras.

Alianças hesitantes
"Eu nunca voltarei", disse Homero Villarreal, ex-policial federal mexicano que costumava investigar os cartéis. Ele falou em um restaurante italiano do outro lado da fronteira com os Estados Unidos, em Laredo, Texas, ao lado de sua mulher, Dora. Eles fugiram de Nuevo Laredo em 2005, depois que dois de seus filhos, que tinham ao redor de 20 anos, foram sequestrados por pistoleiros e nunca mais vistos.
Villarreal não tem certeza por que seus filhos foram escolhidos, mas reconhece que ele, como muitos oficiais, às vezes aceitava dinheiro dos cartéis para "olhar para o outro lado".
Ele faz uma firme distinção entre o dinheiro que recebia para não agir e os pagamentos que outros oficiais recebiam -e continuam recebendo- para cometer pessoalmente atos ilegais.
Villarreal diz que os traficantes ainda espreitam sob a superfície. Nas últimas semanas, a carga apreendida nas pontes que ligam Laredo a Nuevo Laredo incluíam quase três toneladas de maconha e cocaína rumando para o norte e dois lotes de armas e munição, assim como US$ 1 milhão em dinheiro indo para o sul.
Villarreal aderiu então a um grupo chamado Desaparecidos de Laredo, para tentar descobrir o que aconteceu com seus filhos. Os desaparecimentos eram comuns naquela época, e a polícia às vezes atuava em aliança com os criminosos, ele disse. "Os cartéis chamavam a polícia e diziam que estavam procurando alguém. A polícia encontrava a pessoa e a entregava aos cartéis, que davam fim nela."
Alguns policiais dizem que o cartel do Golfo, apoiado por um temível grupo paramilitar, os Zetas, derrotou seus rivais do cartel de Sinaloa. Outros dizem que o fim das hostilidades foi resultado de um pacto, no qual o cartel de Sinaloa concordou em pagar uma taxa de trânsito pelas drogas que passavam por Tamaulipas. Os Zetas saíram do conflito mais fortes que nunca.

Mídia emudecida
Há muito tempo os jornalistas de Nuevo Laredo deixaram de cobrir a violência das drogas em seus bairros. "Somos autocensurados", disse um editor de jornal da cidade, que falou sob a condição do anonimato para não correr o risco de irritar os bandidos. "Estamos na boca do lobo."
O editor diz que os barões da droga não fazem mais tanto contato com os jornais como antes para oferecer sugestões -que na verdade não eram optativas- sobre que reportagens deveriam ser publicados ou não. Mas continuam espreitando ao fundo, emitindo ameaças ocasionais para manter a mídia na linha.

Filantropia do crime
No Dia da Criança de 2004, carretas cheias de comida e presentes encostaram diante do orfanato que Guadalupe Carmona de González dirige nas proximidades da cidade. Mesmo depois que ela soube que as doações haviam sido enviadas por um dos mais famosos narcotraficantes da região, Carmona continuou grata. "Os presentes não eram para mim", ela disse. "Eram para crianças que não tinham nada."
O benemérito foi Osiel Cárdenas, que cumpria pena de prisão na época, acusado de ser o líder do cartel do Golfo e que dirigia o tráfico em Nuevo Laredo. Cárdenas afinal foi extraditado para os Estados Unidos, onde aguarda julgamento por tráfico de drogas. Para preencher o vazio vieram os Zetas, ex-soldados com fama de impiedosos que não mandaram presentes para o orfanato de Carmona (hoje abrigo de cerca de cem crianças).
Seu principal patrono atualmente é o governo, e Carmona disse que aprecia o apoio oficial. Quanto a seu ex-doador, ela disse que nunca chegou a conhecer Cárdenas pessoalmente, mas se mantinha grata por seus gestos humanitários e passou a rezar por ele durante suas provações. "Todos cometemos pecados", ela comentou.

Reputação duradoura
A violência em Nuevo Laredo pode ter-se acalmado, mas a fama da cidade fronteiriça não mudou tão rapidamente.
Isso frustra empresários como Jack Suneson, que vende artesanato mexicano, ou tenta vendê-los, em uma loja elegante em Nuevo Laredo. Os clientes são tão poucos que recentemente ele comprou terras no Texas e está prestes a fechar sua loja mexicana, aberta por sua mãe em 1954.
Suneson disse que os cartéis sempre ficaram longe da loja, mas a coleta de taxas pelos criminosos continua. Em um exemplo, os filmes piratas que são vendidos em toda a cidade trazem selos do bando de crime organizado que os produziu. Muitos filmes trazem uma foto de um carro Hummer dourado, referindo-se, segundo as autoridades, a "El Hummer", um dos principais líderes dos Zetas na região até sua prisão, em 2008.
"Há uma psicose", disse Suneson sobre o medo que os norte-americanos ainda têm de atravessar a fronteira para Nuevo Laredo. "Não vou negar que tivemos um período ruim. Não direi que não estivemos no meio de uma guerra das drogas. Estivemos. Mas não deveríamos ser o cartaz da violência no México. Tivemos nosso mau período, e hoje ele se mudou para algum outro lugar."


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