São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Em busca da fusão, um sonho ainda distante

Por WILLIAM J. BROAD

LIVERMORE, Califórnia - Há mais de meio século, físicos sonham em criar estrelas minúsculas que possam inaugurar uma era de ciência ousada e energia barata, e a Instalação Nacional de Ignição (NIF, ou National Ignition Facility) tem o propósito de acender essa chama.
Num vale da Califórnia, uma catedral de luz foi inaugurada em 29 de maio. Como as catedrais da antiguidade, a instalação de US$ 3,5 bilhões foi construída em escala ímpar, com tecnologia também ímpar, e dá forma concreta a uma doutrina científica que, se for confirmada, pode elevar a civilização a novos patamares.
"Trazer à Terra a energia das estrelas", diz uma faixa gigante afixada recentemente à fachada da construção, que tem as dimensões de um grande estádio esportivo. Na teoria, os 192 lasers da instalação -feitos de quase cem quilômetros de espelhos e fibra ótica, cristais e amplificadores de luz- vão disparar juntos para pulverizar um pedacinho de combustível de hidrogênio que é menor que a cabeça de um fósforo.
Comprimidos e aquecidos a temperaturas superiores às do núcleo de uma estrela, os átomos de hidrogênio vão se fundir, convertendo-se em hélio e liberando explosões de energia termonuclear.
O diretor do projeto, Ed Moses, disse que, para chegar à cúspide da ignição (definida como a concretização da fusão), foi necessário o trabalho de 12 anos de 7.000 profissionais e 3.000 fornecedores. O resultado foi um colosso de precisão, feito de milhões de peças e 60 mil pontos de controle -30 vezes o número que há no ônibus espacial.
"Reunimos os melhores físicos, os melhores engenheiros, as melhores cabeças dos mundos industrial e acadêmico. Não é com frequência que se consegue tal oportunidade e que ela é realizada", disse Moses.
Em fevereiro, o NIF disparou seus 192 raios laser em sua câmara-alvo pela primeira vez. Hoje a instalação possui o laser mais potente do mundo, além do maior instrumento ótico jamais construído. Mas, admitem profissionais do lugar, para elevar a energia além, até chegar ao ponto de ignição, pode ser necessário mais um ano de experimentos.
A tarefa pode se revelar difícil, talvez impossível. Por essa razão, céticos veem o NIF como nada mais que uma ilusão colossal que está desperdiçando verbas preciosas. Os responsáveis pelo projeto admitem que sua simples operação vai custar US$ 140 milhões por ano. Alguns céticos o ironizam, chamando-o de Instalação Nacional de Quase Ignição, ou NAIF (ingênuo).
Mesmo os amigos do projeto são cautelosos. "Eles têm feito avanços", disse Roy Schwitters, físico da Universidade do Texas e líder de um comitê federal que avaliou as perspectivas do NIF. "A ignição pode se tornar possível, eventualmente. Mas ainda falta aprender muito."
Embora não ofereça garantias, Moses argumentou que qualquer grande empreendimento envolve riscos e que as recompensas potenciais justificam a aposta. Ele disse que, se tiver êxito, o NIF vai ajudar a manter as armas nucleares dos EUA confiáveis sem que seja preciso realizar testes subterrâneos. Também pode ajudar a lançar luz sobre a vida oculta das estrelas e preparará o caminho para novos tipos de usinas elétricas.
"Se a nergia da fusão funcionar, teremos acesso, na prática, a um suprimento ilimitado de energia livre de carbono e que não é geopoliticamente sensível. É algo que pode mudar o jogo por completo", disse. O NIF deve disparar seus lasers por 30 anos. Moses disse que a equipe dispara o laser apenas à noite e que, durante o dia, faz a manutenção dos equipamentos. Ele comentou também o esforço para aprimorar a coordenação e o timing. Os 192 raios precisam atingir o alvo o mais perto possível da simultaneidade. Os raios individuais, explicou, precisam disparar "com alguns trilionésimos de segundo" de diferença de tempo entre um e outro para que o combustível possa queimar e precisam ser voltados ao alvo com a precisão de "metade do diâmetro de um fio de cabelo".
Apesar das previsões confiantes, cientistas independentes dizem que não se sabe se os sensores do NIF conseguirão algum dia detectar os raios de uma estrela minúscula. "Acho que será muito difícil", disse William Happer, físico da Universidade Princeton, em Nova Jersey. "É um sistema extremamente complexo, e depende-se de muitas coisas funcionarem corretamente."
Moses, que entrou no comando do NIF há dez anos, com a incumbência de acertar o rumo do projeto (que na época passava por dificuldades), disse que dentro de uma década, quando o NIF abrir novas fronteiras, ninguém se recordará dos tropeços. "Tropeços são comuns quando se assumem projetos de alto risco", disse ele.
Ele lembrou que a regra relativa aos tropeços também se aplica às catedrais. Tendo crescido em Nova York, ele observou que a Catedral de Saint John the Divine, no Upper West Side de Manhattan, ainda está em construção, após mais de um século. Será que vale a pena, apesar de todos os atrasos?
"É claro que sim", disse. Projetos grandiosos que desafiam a imaginação "é algo próprio de nós, humanos, como espécie".


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