São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

INTELIGÊNCIA/MATILDE SÁNCHEZ

Imprensa latina entra na lista negra

Buenos Aires
A imprensa da América Latina, censurada e aliada de ditadores sangrentos durante a Guerra Fria, está, mais uma vez, na mira. Há sinais sombrios sobre sua "séria e rápida deterioração". As atuais ameaças vêm de dois novos inimigos: o crime organizado, em países como México e Honduras, e na forma de intimidação por parte de governos eleitos pelo povo, que aprovam leis limitando o poder da imprensa ou abalando seu modelo empresarial.
Mas os ataques à liberdade de imprensa não se restringem à América Latina. A Rússia, de Vladimir Putin e seus herdeiros, empreende uma das mais flagrantes e violentas repressões à mídia, desde o impune assassinato de Anna Politkovskaia em 2006 até a brutal agressão no começo de novembro a um jovem jornalista do popular diário "Kommersant", Oleg Kashin. Num notório exemplo de censura, a imprensa estatal chinesa nem mencionou a concessão do Prêmio Nobel da Paz ao dissidente Liu Xiaobo, que foi proibido de viajar a Oslo para recebê-lo.
Durante sua reunião entre os dias 5 e 9 de novembro em Mérida, no México, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) criticou duramente o presidente Felipe Calderón pelos índices de violência contra jornalistas mexicanos. Mas Calderón isentou seu governo de responsabilidade, dizendo que "a apuração de 90% dos atuais crimes contra os jornalistas é de responsabilidade das autoridades locais".
Mas a justiça parece estar mais observando do que protegendo os repórteres e fotógrafos. A guerra às drogas já matou 65 jornalistas no México -sendo 11 neste ano e seis nos últimos seis meses-, sem contar os três atentados contra sucursais da rede Televisa em diferentes Estados do país, em um intervalo de apenas dez dias.
Em Honduras, cuja democracia se deteriorou fortemente desde a violenta deposição do presidente Manuel Zelaya em 2009, nove jornalistas foram mortos desde o início do ano. Segundo a entidade Repórteres Sem Fronteiras, Honduras se tornou um dos países mais perigosos do mundo para o exercício do jornalismo, superando até a Colômbia.
O novo presidente da SIP, Gonzalo Marroquín, editor do "Prensa Libre", da Guatemala, está horrorizado com a rapidez com que Honduras entrou nessa lista negra. "O pior é que, ao contrário do México, não está claro se os ataques vêm do narcotráfico ou da criminalidade de gangues", afirmou. "Enquanto isso, as investigações não dão em nada. Não houve detenções em Honduras."
O Brasil é parte desse cenário nefasto, pois três jovens jornalistas foram mortos em outubro, e ninguém foi preso.
No entanto, ataques mais sutis à imprensa vêm na forma de medidas hostis à mídia, adotadas por governos democraticamente eleitos. Essas políticas, segundo alguns especialistas, são mais restritivas à livre iniciativa do que à liberdade de expressão propriamente dita.
A campeã dessa abordagem é a Venezuela, com suas leis reguladoras de 2004 e o fechamento de emissoras de rádio e TV. Logo atrás vem a Argentina, onde tramita um projeto de lei que impõe um limite à quantidade de emissoras de rádio e TV e de provedores de internet que uma mesma empresa pode acumular. Essa proposta pode causar um sério dano econômico para o Grupo Clarín S.A., um dos maiores conglomerados de mídia do mundo hispânico.
Na Bolívia, uma bem intencionada lei antirracismo, aprovada em 8 de outubro, causou preocupações nas entidades jornalísticas pelos ambíguos poderes de fiscalização que confere ao governo. E, no Equador, especula-se que o presidente Rafael Correa, aliado do venezuelano Hugo Chávez, vai ressuscitar uma lei que autoriza a vigilância sobre meios de comunicação, o que pode estimular a autocensura.
Para se contrapor à imprensa privada, jornais pró-governo e uma rede de blogueiros desbocados recebem financiamento do Estado em vários países. O resultado é uma erosão da liberdade de imprensa, leitores polarizados e uma oposição enfraquecida. É uma situação que, segundo alguns, não se via desde a década de 1970.
"O denominador comum é que esses governos adotam leis reguladoras hostis quando querem se reeleger", disse Marroquín.
A Venezuela agora tem "uma versão da Constituição cubana de 1976 na época do BlackBerry, já que ela assume os recursos de uma democracia para controlar a informação e impor a hegemonia da imprensa estatal", disse Asdrubal Aguiar, ex-magistrado da Corte Interamericana de Direitos Humanos e colunista do jornal "El Universal", de Caracas. Aguiar disse que essas leis também promovem uma agenda libertária, em que as mídias privadas são consideradas bens e serviços de utilidade pública, em vez de ferramentas para o equilíbrio do poder.
Em todos esses países, enormes verbas públicas são usadas para financiar uma imprensa governista cada vez mais radicalizada. Na Venezuela, há atualmente mais jornais pró-Chávez do que independentes. Para esses governos, a melhor forma de reforçar o poder do Estado é fundar um jornal.


Matilde Sánchez, editora do "Clarín", também escreve ficção. Envie comentários para intelligence@nytimes.com



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