São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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Um prazo americano, um país no limbo

ANTHONY SHADID
ENSAIO

BAGDÁ - Houve uma troca de ideias sobre a noção do tempo, há alguns meses, que revelou alguma coisa sobre o Irã, alguma coisa sobre o Iraque, mas provavelmente revelou mais ainda sobre os EUA.
Nos bastidores de uma reunião da ONU, Hoshyar Zebari, chanceler do Iraque, batia papo com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. As forças americanas tinham deixado as cidades iraquianas. Até 31 de agosto, elas devem reduzir seu contingente para 50 mil.
As datas não guardavam tanta relação com a capacidade de atuação da polícia iraquiana quanto com prioridades de outros lugares: o deslocamento de recursos ao Afeganistão, o cansaço com uma guerra custosa que nunca chegou a ser plenamente compreendida nos EUA e a imprevisibilidade da eleição legislativa nos EUA em novembro.
Os americanos plantaram uma árvore no Iraque, Zebari recorda-se de ouvir Ahmadinejad lhe ter dito com simpatia tingida por sarcasmo. "Pergunte a seus amigos americanos", disse, "por que estão partindo agora, antes de a árvore dar frutos".
Seja o que for que possam dizer o governo Obama e os generais e diplomatas que seguem suas diretrizes, a história no Iraque está inacabada. O país não está nem ocupado nem independente: encontra-se no limbo.
Ryan C. Crocker, ex-embaixador americano no Iraque, ponderou: "O senso de que somos um povo impaciente com certeza está presente na política e na cultura americanas. Tem que ser amanhã ou depois de amanhã, no mais tardar, e, se isso não acontecer, então nós vamos partir para outra".
O Oriente Médio sofre há muito tempo os efeitos de uma noção peculiarmente americana de que, se a maior potência do mundo quer alguma coisa, essa coisa vai acontecer, dentro do tempo previsto pelos EUA. No Líbano, nos territórios palestinos e na Síria, as realidades desordenadas nunca se enquadram nessa previsão. Desde 2003, isso raramente tem acontecido no Iraque, tampouco.
"A paciência é algo que sempre falta em Washington", disse Zebari. "Foram definidas as datas para a retirada americana. Isso incentivou nossos vizinhos a se posicionar no vazio deixado. É isso o que está acontecendo. Estão aguardando; não estão com pressa. São nossos vizinhos eternos."
A visão que os EUA têm da retirada geralmente determina sua visão dessa noção do tempo, e, em especial, de se os prazos fixados refletem ou não a realidade ambígua do Iraque de hoje. Os militares americanos dizem que o timing está correto, e muitos diplomatas concordam, apesar de reconhecerem o impacto da política doméstica americana.
"Quando você gasta trilhões de dólares em um país, algumas de suas questões políticas vão vazar para esse país. Essa é a realidade", disse Christopher R. Hill, o embaixador americano de saída.
Crocker questionou "nosso conceito inteiro de que, de alguma maneira, podemos desenvolver um modelo matemático que inclui realizações concretas, podemos incluir um prazo dentro do cálculo, e pronto. O Iraque não funciona assim. Nem o Afeganistão".
A maneira como o passado se cruza com o presente no Oriente Médio talvez seja um clichê, mas não necessariamente deixa de ser verdade. Os árabes enxergam ecos das Cruzadas na criação de Israel. As guerras do Iraque são apresentadas em narrativas milenares de martírio.
As perspectivas viram política. A paciência, também.
Em um tempo tumultuado em 2005, a Síria foi assolada por uma crise vista por alguns como existencial. Havia rumores de que um tribunal internacional que investigava o assassinato de um ex-premiê libânes poderia indiciar alguns líderes sírios. Protestos ajudaram a obrigar a Síria a deixar o Líbano, onde seus 20 anos de presença eram rejeitados por muitos. Em uma tentativa de isolar a Síria, os EUA tinham chamado seu embaixador de volta.
Mas os líderes mais experientes pareciam acreditar que seus horizontes eram mais amplos, mais longos e mais históricos que os dos americanos. O presidente Bashar al Assad tinha aprendido com seu pai, Hafez, o comandante da Força Aérea que governou a Síria por três décadas como homem forte e que sabia, talvez mais que ninguém, que o tempo é uma ferramenta.
Em 2010, um novo embaixador americano foi nomeado, e a Síria retornou ao Líbano, de certa maneira. Na capital libanesa, onde no passado manifestações de protesto de dezenas de milhares de pessoas insultaram grosseiramente o presidente sírio, uma faixa diferente foi pendurada em sua primeira visita a Beirute desde o assassinato. "Seja bem-vindo a sua família", dizia a faixa.


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