São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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Imitando os pioneiros em corrida ao polo Sul

Extreme World Races; abaixo, Associated Press
Treinos para uma corrida ao polo Sul estão tendo lugar na Noruega; abaixo, Robert F. Scott (centro) com sua expedição polar

Por JENNIFER A. KINGSON
Quando o explorador britânico Robert Falcon Scott chegou ao polo Sul e descobriu que Roald Amundsen e sua equipe de noruegueses haviam chegado antes, ele se desanimou. "Meu Deus, este é um lugar horrível", lamentou em seu diário.
Por horrível que possa ser, o lugar está prestes a receber muito tráfego pedestre. Entre turistas, aventureiros e fanáticos por história, centenas de pessoas se prepararam para visitar o polo Sul em homenagem aos centésimos aniversários da chegada de Amundsen (14 de dezembro de 1911) e Scott (17 de janeiro de 1912). Os preparativos já estão adiantados.
Algumas pessoas pretendem percorrer de esqui as rotas exatas seguidas por Amundsen e Scott, lendo os diários dos dois e escrevendo blogs sobre a experiência. Outras vão até o polo de caminhão. Para os que buscam algo menos cansativo, haverá voos fretados até lá, vários dos quais deixarão os passageiros a alguns quilômetros de distância para que possam esquiar o trecho que falta até o polo e sentir na pele a emoção da vitória.
Uma das muitas agências de viagens que está procurando lucrar com tudo isso é a Polar Explorers, de Chicago, que está cobrando US$ 40.500 para um voo até o polo em um ou outro dos aniversários (os voos ficarão pendentes das condições meteorológicas). As pessoas que quiserem completar o percurso sobre esquis pagarão até US$ 57.500.
"Teremos muitos brindes com champanhe, faremos muitas fotos, e você poderá ligar para casa para seus entes queridos desde o polo Sul", disse Annie Aggens, da Polar Explorers.
É desnecessário dizer que as pessoas não vão querer reproduzir a expedição inteira de Scott. Ele e seus homens morreram em uma nevasca durante o percurso de 1.287 km de volta, dentro de uma barraca que, em uma ironia que ficou famosa, estava a apenas 17 km de um depósito de suprimentos.
Muitas pessoas pretendem, em vez disso, esquiar até o polo e voar de volta. Uma delas é o britânico Matt Elliott, 28, que vai competir em uma corrida de esqui de 708 km, puxando 90 quilos de equipamento por todo esse percurso. Residente em Windsor, Elliott trabalha para a empresa atacadista de papel de sua família e se descreve como "um novato polar completo".
Ele nunca praticou esqui de fundo e não é fã do frio, mas vem treinando, arrastando dois pneus de carro amarrados a uma corda por várias horas consecutivas.
"Quero descobrir do que sou fisicamente capaz", disse Elliott, que está pagando US$ 95 mil para participar da competição, patrocinada pela empresa londrina Extreme World Races. "Seria fantástico chegar lá primeiro e içar a bandeira britânica no polo Sul antes de os noruegueses chegarem."
O administrador Davis Nelsen, 52, de Chicago, fará uma viagem menos cansativa. Prestando tributo a seus antepassados noruegueses, ele pretende estar em um dos voos da Polar Explorers no aniversário da chegada de Roald Amundsen ao polo. Em 2009, ele voou até o polo Norte para comemorar o centenário da expedição de Robert Peary. Nelsen pretende percorrer os últimos 48 km do trajeto de esqui.
A previsão é que as multidões que vão ao polo Sul representem um aumento minúsculo no número total de turistas que viajam à Antártida, número esse que chegou ao máximo com 46 mil na temporada de 2008-09 e caiu desde então em função da recessão global. Mas, como a maioria das pessoas que visita a Antártida vai de navio e não se aventura para além do litoral, a previsão é de um aumento no turismo no próprio polo.
A Fundação Nacional de Ciência, que dirige a estação de pesquisas Amundsen-Scott, no polo Sul, não está feliz com isso. E manda um recado a potenciais visitantes: não esperem uma recepção calorosa.
Sim, é verdade que existe uma lojinha de presentes, onde visitantes podem postar cartas que serão enviadas com carimbo postal do polo Sul. Mas, segundo Evan Bloom, do Departamento de Estado, a estação de pesquisas "não está preparada para receber turistas".
Entre os outros viajantes de aventura, é possível que o melhor pedigree histórico seja o de Henry Worsley, tenente-coronel do Exército britânico. Ele é parente distante de Frank Worsley, o capitão do navio de Ernest Shackleton, o "Endurance". Worsley prepara sua própria corrida ao polo, em duas equipes de três homens.
"A intenção é reencenar a corrida Scott-Amundsen, saindo dos dois pontos de partida", contou. "Vou liderar o trajeto dos noruegueses, partindo da baía de Whales e escalando a geleira Axel Heiberg, e um amigo fará o trajeto de Scott, que fiz há alguns anos."
David Wilson, sobrinho-neto de Edward Wilson -naturalista e desenhista que participou da marcha ao lado de Scott e morreu com ele- vai unir-se a outros descendentes do grupo do explorador britânico na Antártida, em 17 de janeiro de 2011, nas proximidades da barraca, onde farão uma cerimônia em memória dos exploradores.
Wilson repete o argumento apresentado pelo grupo de Scott: que a expedição britânica foi à Antártida para fazer ciência, não para participar de uma corrida. Segundo ele, as pessoas que planejam competições "estão completamente equivocadas em relação ao que aconteceu cem anos atrás".
Alguns veteranos dizem que a Antártida não é para novatos. "É um lugar que quer ver você morto", disse o ambientalista Robert Swan, que em 1985 percorreu a pé a rota de Scott. "Foi o que Scott descobriu cem anos atrás."


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