São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

Na Europa, adiando um resgate até o amargo final

Por LANDON THOMAS Jr.
ATENAS - Grécia. Irlanda. E agora, ao que tudo indica, Portugal.
Esses endividados membros da zona do euro têm algo em comum: os três recorreram agressivamente aos seus sistemas bancários domésticos para contrair mais dívidas, mesmo bem depois de terem sido excluídos dos mercados internacionais de títulos.
Com seu papel de dez anos sendo negociado perto do valor recorde de 7%, atingido na primeira semana de janeiro, Portugal tentou no último dia 12 manter o que muitos passaram a ver como uma espécie de charada dentro do mercado de títulos. O país vendeu € 1,25 bilhão (US$ 1,62 bilhão) em financiamento de longo prazo -uma dívida que deve vir em grande parte do já depauperado sistema bancário do país.
Embora o leilão tenha sido melhor do que se esperava, o mercado, cada vez mais cético, considera que essa dívida reflete apenas a recusa de Portugal em aceitar a realidade. Por isso, o sistema bancário português acolhe mais dívidas, dificultando a sua reestruturação, e, assim, obrigando o governo a impor mais medidas dolorosas aos seus cidadãos, uma dinâmica que agora está ocorrendo na Grécia.
"Oitenta por cento da dívida de Portugal está nas mãos de estrangeiros", disse Jonathan Tepper, analista da Variant Perception, uma empresa de pesquisas em Londres. "Mas o fluxo, agora, está sendo financiado domesticamente."
A dívida interna portuguesa está dividida entre bancos domésticos e estrangeiros. Dois dos três maiores credores são portugueses, a Caixa Geral de Depósitos e o Banco BPI, com um total de € 11 bilhões.
O segundo maior credor, atrás da Caixa Geral de Depósitos, é o gigante espanhol Santander, com € 4,9 bilhões, segundo o Goldman Sachs.
A Grécia, quando os juros superaram 6%, cedeu aos mercados e logo precisou aceitar um resgate financeiro.
O governo de Portugal tem insistido que suas necessidades de crédito para este ano, cerca de € 20 bilhões -ou 11% do PIB do país-, são administráveis, e em comparação com a Grécia de fato elas são.
Mas os elevados deficits orçamentário e em conta corrente, junto com o crescimento econômico desprezível, geram no mercado um consenso de que Lisboa em breve terá de aceitar um resgate da Europa e do FMI (Fundo Monetário Internacional). Analistas acreditam que isso envolverá um pacote de € 50 a ¤70 bilhões, menor do que os resgates da Irlanda ou da Grécia.
Todos concordam, no entanto, que nada vai acontecer sem que Portugal perceba que não tem escolha e solicite ajuda formalmente.
Portugal nega com veemência que o resgate seja iminente. Mas a visão do mercado é de que a capitulação é mera questão de tempo.
Alguns podem se perguntar por que tanta demora. Há um ano, o FMI publicou o seguinte na sua avaliação anual sobre o país: "Perspectiva: desanimadora". "O cenário-base dos funcionários [do FMI] contempla um ajuste modesto, crescimento fraco e continuidade de desequilíbrios insustentáveis."
Como já ocorrera com a Grécia e a Irlanda, a necessidade de crédito de Portugal se torna mais sombria porque muitos investidores estrangeiros que outrora compravam seus papéis estão fugindo, assustados com a possibilidade de a Europa formalizar um novo mecanismo pelo qual os credores de títulos bancários e soberanos assumem os prejuízos sobre as suas posições numa eventual crise.
O crescente volume de dívida soberana que Portugal tem contraído se soma a um tema recorrente: os sistemas bancários domésticos estão absorvendo níveis maiores de dívidas duvidosas, as quais não só contaminam seus balanços como podem acabar sendo reestruturadas.
Os bancos gregos, por exemplo, são os maiores credores de dívidas de risco na Europa, segundo o Goldman Sachs. Aliás, o banco com maior exposição à dívida soberana grega, irlandesa ou portuguesa é o Banco Nacional da Grécia, com um total de € 20 bilhões em obrigações do governo grego. Os bancos gregos detêm € 62 bilhões em dívida soberana da Grécia.
Tal acúmulo dentro do sistema bancário doméstico dificulta que um país proponha uma reestruturação da dívida, porque quem sofre são os bancos locais e seus muitos empregados sindicalizados, e não apenas fundos de hedge sem rosto.
O governo grego está em meio a um duro programa de reestruturação, que foca no corte de pensões e salários públicos. O único item importante do orçamento com elevação é o pagamento de juros, que, segundo a Comissão Europeia, até 2014 irá superar a arrecadação de tributos diretos.
Mas autoridades e banqueiros insistem que a Grécia não irá reestruturar sua dívida soberana, e que isso seria inadmissível depois de ter aceitado tanto dinheiro da Europa e do FMI.
"Uma grande parte da dívida grega está escondida nos balanços dos bancos gregos", disse o economista Theodore Pelagidis, autor de um livro que se propõe a explicar a implosão grega. "Então não se pode dizer simplesmente: 'Vamos reestruturar'. Não é tão fácil."
Quanto a Portugal, como os bancos estrangeiros cada vez mais relutam em aceitar dívidas de risco, o endividamento dos bancos locais deve crescer -ao menos até que o governo do país dê o braço a torcer.


Texto Anterior: Dinheiro & Negócios
Investindo em pedaços de Picasso

Próximo Texto: Vietnã se beneficia por estar à sombra econômica da China

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.