São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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ARTE & ESTILO

Bach e Beethoven entram na revolução digital

Para cada instrumento, um laptop

Por DANIEL J. WAKIN
BOSTON - A maré digital está chegando às praias da música clássica, e o Quarteto de Cordas Borromeo a abraçou como nenhum outro grupo de música de câmara importante.
O Borromeo abandonou as partituras de papel em favor de ler a música em MacBooks, muitas vezes na caligrafia dos próprios compositores, aninhados em estantes musicais especiais. Um projetor ligado a um laptop exibe o manuscrito em uma tela atrás deles. "É uma experiência incrível, assistir à caligrafia de Beethoven enquanto ela passa por você", disse Nicholas Kitchen, o primeiro violinista do grupo.
O grupo substituiu os equipamentos de afinação e metrônomos por programas em seus laptops, e grava todos os seus concertos.
O Borromeo não é o único. Óperas e concertos estão sendo projetados ao vivo em cinemas; há música composta para toques de celular e laptops; o público dos concertos vê mais apresentações multimídia; orquestras usam mensagens de texto para se comunicar com o público; vídeos do YouTube são usados para audições. Muitas orquestras hoje apresentam programas com imagens de vídeo sofisticadas, em alta definição.
Os antigos quartetos profissionais são organismos delicados, em que egos devem ser equilibrados, as personalidades amassadas para se chegar a compromissos artísticos. O impulso para gravações uniformes e estantes com laptops causou tensões. Pelo menos um dos membros do Borromeo se sentiu pressionado. Mas hoje, segundo eles, esses métodos tornaram-se uma segunda natureza.
A loja na web do Borromeo, livingarchive.org, vende suas apresentações on-line, em cópias físicas ou como downloads.
O quarteto começou no final dos anos 1980 no Instituto de Música Curtis na Filadélfia, onde Kitchen, a violoncelista Yeesun Kim e outros dois membros originais estudavam. Kitchen e Kim se conheceram lá aos 16 anos, começaram a tocar juntos e dentro de um ano formaram um casal. Hoje são casados e têm um filho de 7 anos. Os dois outros membros atuais são o violista Mai Motobuchi e o segundo violinista Kristopher Tong.
Em 2002, Kitchen começou a preservar todas as apresentações que podia, aprendendo o que pôde sobre microfones, gravadores digitais e câmeras de vídeo.
"Para o público significa muito ter essa memória", disse Kim, 43.
Hoje o quarteto tem mais de 800 concertos em seu arquivo e também usa gravações para ensinar e para se preparar para concertos. Antes de cada apresentação, eles executam um programa e o escutam imediatamente depois.
"No caminho você percebe centenas de detalhes que quer melhorar", disse Kitchen, 44. "Na próxima vez em que o tocar, será diferente."
Membros de outros importantes quartetos manifestaram admiração pelo uso de laptops pelo Borromeo, mas não tinham planos imediatos de acompanhá-los.
"Não acho que vamos mudar", disse Eugene Drucker, violinista do Quarteto de Cordas Emerson. Mas, segundo ele, "provavelmente cada vez mais grupos farão isso conforme evoluirmos."
Para o Borromeo, o uso de laptops surgiu de um impulso não tecnológico. Kitchen queria ler a música em uma partitura completa- as quatro linhas do quarteto juntas-, em vez de sua parte individual. Isso tornava impossível usar partituras impressas.
Ele escaneou as partituras para seu laptop, e o colocou sobre uma estante portátil que tinha um pedal conectado por cabo USB. Ele começou a usar o sistema em ensaios, e um dia seus colegas sugeriram que o levasse para o palco.
Hoje os músicos obtêm partituras em sites da web que oferecem edições grátis, como imslp.org, arquivos em PDF publicados por compositores que escrevem música com programas como Sibelius, e seus próprios escaneamentos.
Os músicos dizem que ter a partitura inteira à sua frente é de grande ajuda. Passagens complexas tornam-se imediatamente compreensíveis. Ver a partitura enquanto eles tocam também aprofunda a compreensão das intenções dos compositores. A partitura "é exatamente a imagem direta que eles tinham em mente", disse Motobuchi, 35.
Tong, com 29 anos o mais jovem e mais novo membro, foi o que mais resistiu. Ver a música de seus colegas na página pode afastar da magia de fazer música de câmara, de comunicar-se pela audição, ele disse.
"Durante muito tempo senti que quanto mais eu via, menos escutava."
Kitchen reconheceu que tocar com partituras tradicionais tem suas vantagens. Ao mesmo tempo, ele disse que, "como grupo, decidimos que essa sensação de confiança, de ganhar poder através da informação mais rica, era algo que melhorava o desempenho de nosso grupo".


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