São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011

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Um ano fora do buraco, mas ainda vivendo no escuro

Por ALEXEI BARRIONUEVO

COPIAPÓ, Chile - Depois de seu resgate dramático de dentro de uma mina no ano passado, Jimmy Sánchez viajou pelo mundo, fez cruzeiro nas ilhas gregas, visitou o Reino Unido, Israel, Los Angeles e a Disney World -tudo pago por pessoas que ficaram comovidas pela história de coragem e perseverança dos mineiros chilenos, presos no subsolo.
Hoje, porém, Sánchez, como muitos dos 33 mineiros que sobreviveram 69 dias quase um quilômetro abaixo do solo, está desempregado e sem muito ânimo. Duas vezes por mês ele pega um ônibus para Santiago, a capital chilena e viaja 11 horas para uma rápida visita a um psiquiatra. É um dos nove mineiros que recebem auxílio-doença por estresse pós-traumático prolongado.
"A maioria de nós está no mesmo lugar, com problemas emocionais e psicológicos", disse Sánchez, 20 anos. "Foi o medo de que nunca mais veríamos nossas famílias, de que íamos morrer. Simplesmente não conseguimos tirar essas lembranças de nossas cabeças."
Um ano depois de seu resgate televisionado para todo o mundo, os mineiros disseram que a maioria deles continua desempregada e muitos estão mais pobres do que antes. Somente alguns têm empregos fixos, dizem. Apenas quatro voltaram à mineração. Dois outros, Víctor Zamora e Darío Segovia, tentam se manter com a venda de frutas e legumes.
"Eles nos fizeram sentir como heróis", disse Edison Peña, outro mineiro que hoje está internado em uma clínica psiquiátrica. "No final, estamos vendendo amendoim. É irônico, não é?"
Hoje muitos mineiros contam com um filme de Hollywood -que ainda não tem roteiro- para ser sua salvação econômica.
Peña, o mineiro que ficou famoso por seu amor a Elvis Presley e pela corrida, está enfrentando o trauma não apenas do tempo que passou soterrado, mas também pelas consequências do resgate, quando as exigências de virar uma celebridade instantânea se mostraram sufocantes, levando-o a abusar de drogas e álcool.
Três mineiros, entre os quais Sánchez e Segovia, retomaram recentemente o tratamento psiquiátrico depois que os pesadelos e a insônia voltaram.
"Isso é muito parecido com o sofrimento dos veteranos do Vietnã", disse Rodrigo Gillibrand, o psiquiatra que trata os nove homens. "Eles têm sintomas pós-traumáticos que podem se tornar crônicos."
Depois do salvamento, os mineiros se beneficiaram de uma onda de simpatia. Um magnata da mineração chileno, Leonardo Farkas, deu a cada um deles mais de US$ 15 mil. Também deu casas para dois que iam se casar.
Sánchez, como muitos dos 16 mineiros entrevistados, disse que queria voltar para as minas. No entanto, o doutor Gillibrand recomendou que nenhum deles trabalhe no subsolo novamente.
José Ojeda tentou voltar às minas em fevereiro, mas sofreu um ataque de pânico quando estava a 300 metros de profundidade.
Algumas pessoas se perguntam se os homens estão se esforçando. Farkas disse que nenhum mineiro se candidatou a sua oferta de emprego. Porém, seus pedidos de dinheiro continuam chegando.
O governo deu recentemente pensões de US$ 500 por mês para 14 mineiros (os mais velhos e aqueles com problemas físicos mais sérios), mas é menos da metade do que ganhavam como mineiros.
Peña, 35, tornou-se uma celebridade instantânea ao sair da mina. Ele apareceu no programa de David Letterman quando fez uma viagem grátis a Nova York para correr na maratona.
Um punhado de mineiros continua se beneficiando da fama. Mario Sepúlveda, apelidado de "Super Mario" depois de seu "show" de emoção ao sair da mina, abriu uma empresa para dar palestras motivacionais.
"Se eu for persistente e continuar trabalhando, um dia serei milionário", ele disse.
Pablo Rojas, 47, é sócio de uma pequena firma de mineração com quatro empregados. Outro mineiro, Pedro Cortez, 26, está estudando eletrônica. Um suíço-chileno de Zurique que havia lido sobre as ambições educacionais de Cortez pagou 70% de sua matrícula no segundo semestre.
Os que estão se saindo bem sentem inveja dos outros. "Trinta e três pessoas entram em uma mina", disse Cortez. "Nós não saímos da mina 33 amigos."
Ele está decidido em dar a volta por cima. "Preciso cuidar de minha família, não podemos ficar no mesmo lugar em que estávamos antes", ele disse. "Eles lutaram por mim durante 70 dias. Agora é a minha vez de lutar."


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