São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011

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Senegal combate mutilação feminina

Por CELIA W. DUGGER

SARE HAROUNA, Senegal - Quando Aissatou Kande era pequena, sua família seguiu uma tradição vista como essencial para que ela se preparasse para o casamento. Seu clitóris foi decepado, sem nada para aliviar sua dor.
Mas, no dia de seu casamento, Kande jurou que protegeria suas filhas do mesmo costume antigo. Dias depois, seu vilarejo declarou que abandonaria de vez a prática da mutilação genital feminina.
Em toda a África, estimados 92 milhões de mulheres e meninas já foram submetidas à mutilação. Mas Sare Harouna, como mais de 5.000 outros vilarejos senegaleses, aderiu a um movimento crescente que visa pôr fim à prática.
A mudança de hábitos ainda não foi adotada pelo vilarejo do marido de Aissatou Kande, onde ela vive hoje, mas se os anciãos do povoado a pressionarem para mutilar a bebê que ela já tinha quando se casou, "vou resistir a eles", ela disse. Seus pais a apoiam.
"Eles não ousariam fazer isso com minha neta e nós não deixaríamos", disse a mãe de Kande, Marietou Diamank.
O movimento para pôr fim à mutilação genital vem se alastrando pelo Senegal em ritmo crescente através dos mesmos laços de família e etnia que antes o fortaleciam. Comum em muitos países africanos, a prática vem perdendo força aqui.
No Senegal, o grupo Tostan -o nome significa "avanço" em uolofe, a língua dominante no país- vem exercendo um impacto importante com seu programa educacional que destaca os perigos da prática, ao mesmo tempo em que toma o cuidado de não qualificá-la como barbaridade, como fazem ativistas ocidentais.
O Parlamento senegalês proibiu oficialmente a prática mais de uma década atrás.
"Antes, as pessoas nem ousariam discutir esse assunto", comentou Mamadou Dia, governador da região de Kolda, onde fica Sare Harouna. "Era tabu. Agora temos milhares de pessoas abandonando a prática." O Tostan vem fazendo um esforço ambicioso aqui, com apoio da Unicef (agência da ONU para a infância) e outras organizações internacionais. Seu programa, com duração de dois a três anos, custa cerca de US$ 21 mil, por vilarejo.
Um grupo improvável de pessoas moldou os métodos usados pelo grupo: a educadora americana Molly Melching; Demba Diawara, imã de um vilarejo senegalês, e Gerry Mackie, professor da Universidade da Califórnia em San Diego.
Em 1997, as mulheres do povoado de Malicounda Bambara se declararam determinadas a acabar com o costume.
Mas Diawara, imã do povoado de Keur Simbara e aluno do Tostan, avisou Melching que um único vilarejo não bastaria para pôr fim à tradição. A única maneira seria persuadir os povoados cujos jovens se casavam com pessoas do primeiro povoado a abandonarem a prática simultaneamente.
Assim, Diawara, 77 anos, visitou os dez vilarejos que, mais tarde, concordaram em abrir mão da tradição.
Em 1998, promoveram o que se acredita ter sido o primeiro abandono coletivo da mutilação feminina na África.


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