São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011

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Alunos de cineasta sequestram a câmera

Filmando crianças de Tanger em busca de uma história

Por DENNIS LIM


O cineasta espanhol Oliver Laxe viveu a maior parte do tempo, nos últimos cinco anos, em Tanger, no norte do Marrocos, onde criou uma oficina de cinema em um abrigo para crianças carentes. À primeira vista, o longa-metragem de estreia do diretor, "Todos São Capitães", parece ser uma reflexão sobre essa experiência, feita sem rodeios: Laxe aparece como ele mesmo, dando aulas sobre fotografia e mostrando a seus alunos, todos garotos adolescentes, como operar uma câmera de 16 milímetros.
O filme, que recebeu o prêmio da crítica internacional no Festival de Cannes 2010 e teve em 19 de outubro seu primeiro -e até agora único- lançamento comercial programado, nos EUA, não demora a entrar numa sala de espelhos. Cenas são revistas, atores abandonam seus personagens, e mais ou menos na metade do filme Laxe é expulso, depois de as crianças reclamarem de sua autoabsorção e do projeto colaborativo confuso que lhes impôs ("isto não é um filme", "um filme precisa de uma história").
O músico local Shakib, que toma seu lugar, leva os meninos para um passeio no campo. O projeto de filme deles parece ter sido abandonado -ou, quem sabe, foi absorvido no filme ao qual estamos assistindo.
Com o Oliver Laxe na tela expulso, mas Laxe ainda por trás das câmeras, "Todos São Capitães" se torna uma espécie de pastoral -demorando-se sobre as paisagens, as oliveiras e os animais que os garotos tinham dito anteriormente que queriam filmar-, "mas com um pouquinho de ficção", nas palavras de um dos jovens aprentizes.
Laxe disse que se deu conta disso desde cedo. "Eu sou a maior criança no filme", falou. "Tive que aceitar que o filme não é sobre as crianças, é sobre mim."
Laxe viajou para Tanger em 2006, por um impulso "puramente aleatório", como diz, motivado em parte nos relatos míticos feitos por expatriados anteriores como Paul Bowles e William S. Burroughs.
Rodado em preto e branco, "Todos São Capitães" enfatiza o ato transformador de olhar desde a primeira cena, em que as crianças discutem a cor de um camaleão e olham para um avião que passa ao alto. Um garoto sugere que eles fechem os olhos "para enxergar melhor".
A estratégia mais ousada de Laxe é inserir-se em seu filme, e fazer o papel do vilão: "o típico artista neocolonialista europeu", nas palavras dele.
"Todos São Capitães" trata com leveza enganosa dilemas que há muito tempo atormentam cineastas que retratam temas de esferas culturais e econômicas que lhes são estranhas. Laxe não resolve esses problemas, mas se compraz em complicá-los.
"O que chamou minha atenção no trabalho de Oliver é o quão bem ocupa essa terra de ninguém situada entre os fatos e a ficção", comentou Davie Wilson, co-diretor do Festival de Cinema Verdadeiro/Falso, de Columbia. "Ele obriga o espectador a deixar de se importar se algo é factualmente verídico; em vez disso, nos convida para acompanhá-lo naquele espaço que é apenas seu."
O filme poderia ser visto como tentativa de enxergar o mundo sob a ótica de seus sujeitos. Mas é claro que é o diretor, Laxe, quem continua a ser a mão que guia o filme -seu verdadeiro capitão.
"Escolhi o título por sua musicalidade, mas, para mim, é um filme sobre a crueldade da criação, que é antidemocrática", disse ele. "Somos todos capitães, ou todos temos o direito e a oportunidade de ser capitães, mas alguns o serão mais que outros."


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