São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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DIÁRIO DE CARACAS

Encontro esquerdista se fortalece com petrodólares

Por SIMON ROMERO

CARACAS, Venezuela - O maoísta nepalês percorreu com o olhar o saguão do hotel Alba Caracas e sorriu. À sua esquerda, delegados da África ocidental para o Encontro Mundial de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade conversavam em francês. À sua direita, o autor egípcio de um livro sobre o presidente Hugo Chávez fumava um cigarro.
“Este foi um fórum muito agradável, que nos proporcionou a possibilidade de aprender com o legado glorioso da revolução socialista na América Latina”, disse o maoísta, Chandra Prasad Gajurel, 60, membro do Politburo do Partido Comunista do Nepal, que pôs fim à monarquia nepalesa em eleições realizadas neste ano.
Gajurel e cerca de 200 outros pensadores de esquerda de todo o mundo se reuniram em Caracas por alguns dias em outubro para discutir as transições para o socialismo.
Delegados em camisas de mangas curtas e sandálias Birkenstock discutiram Marx e o escritor esquerdista italiano Antonio Gramsci. Reuniões como essas vêm se tornando comuns em Caracas, sob o governo de Hugo Chávez, rico em petrodólares que podem ser usados para atrair pensadores afins de todo o mundo.
As autoridades venezuelanas já organizaram encontros internacionais de filósofos, defensores dos direitos das mulheres, porta-vozes dos governos de países não alinhados, poetas e, em setembro, especialistas em pintura corporal.
Poucas dessas conferências renderam reflexões tão otimistas sobre as mudanças internacionais em curso quanto o encontro de intelectuais promovido algumas semanas atrás, que incluiu visitas guiadas dos delegados às favelas de Caracas e discussões sobre a crise econômica em evolução.
“Precisamos ajudar o modelo capitalista atual a cair, pois isso não acontecerá por conta própria”, disse aos presentes o economista madrileno José Déniz Espinós. “Não sei de nenhum sistema que tenha desabado sozinho. Por essa razão, não devemos sucumbir à euforia.”
A conferência foi realizada no Alba, um hotel de luxo tomado pelo governo da cadeia Hilton no ano passado. “É maravilhoso estar em Caracas”, disse o egípcio Mostapha el Gammal, 56 anos, autor do livro recém-lançado “Chávez: Charisma, Revolution, Dialectics” (Chávez: Carisma, Revolução, Dialética).
Gammal disse que um dos momentos marcantes de sua viagem foi a oportunidade de debater seu livro, que, afirmou, o governo venezuelano pretende traduzir do árabe e publicar na Venezuela. “Chávez é um mero populista ou revolucionário genuíno?”, perguntou em tom retórico durante uma entrevista. “Rejeito a primeira idéia.”
O governo venezuelano é elogiado por alguns acadêmicos estrangeiros pela criação do Centro Internacional Miranda, uma organização de pesquisas políticas sediada em frente ao hotel Alba, e por ter instituído prêmios como o Prêmio Libertador de Pensamento Crítico. O teólogo alemão residente na Costa Rica Franz J. Hinkelammert foi o primeiro vencedor do prêmio de US$ 150 mil, em 2006.
As conferências, os prêmios, as visitas a favelas: tudo isso é demais para os céticos em relação a Chávez —pessoas como o historiador e filósofo chileno Fernando Mires, que estava em Caracas para assistir a outra conferência. Ao deixar a cidade, Mires, 65 anos, foi detido por forças de segurança e interrogado exaustivamente sobre sua visita. Crítico declarado de Chávez, Mires disse que viu a conferência no hotel Alba com resignação.
“Ontem foi Mugabe ou Castro; hoje é Chávez”, disse Mires. “Muitos dos participantes desses eventos estão emergindo da frustração política e vêem uma chance para aventar suas idéias num país pobre que foi democratizado pela intimidação.”
Mesmo assim, alguns dos presentes à conferência em Caracas pareciam dispostos a lançar um olhar cético (talvez acompanhado de uma piscadela) sobre seu anfitrião e as críticas dele ao que descreve como o império norte-americano.
“É admirável, mas ainda há tantas dúvidas quanto à sustentabilidade deste processo”, falou Vinod Raina, físico teórico da Índia, falando da Venezuela de Chávez. “O importante é que ele assumiu o encargo de cristalizar forças em oposição ao império.”

Colaborou Thom Walker



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