São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Ciência e tecnologia

Discurso, e não trejeito, pode revelar a verdade

Por BENEDICT CAREY

Antes de qualquer interrogatório, os oficiais de polícia que investigam um crime têm de tomar uma decisão muito difícil: a pessoa que está sendo entrevistada é honesta ou está inventando histórias? A resposta é crucial não apenas para identificar potenciais suspeitos e testemunhas confiáveis, como também para o destino da pessoa que é interrogada.
Cientistas forenses começaram a testar técnicas que pretendem dar aos interrogadores, oficiais e outros uma espécie de filtro de honestidade, um método aperfeiçoado de separar as falsas histórias das verdadeiras.
O novo trabalho se concentra no que as pessoas dizem, e não em como elas agem. Ele já mudou a atuação da polícia em outros países, e algumas novas técnicas estão sendo adotadas em interrogatórios nos Estados Unidos.
Em parte, o trabalho brota da frustração com outros métodos. Os mentirosos não desviam o olhar em uma entrevista mais que a pessoa média que diz a verdade, segundo pesquisadores; eles não se mexem, suam ou afundam na cadeira com maior frequência. Eles podem produzir mudanças de expressão claras e rápidas, dizem os especialistas, mas não está claro se vale a pena analisá-las.
Um princípio amplo e claro modificou o trabalho da polícia no Reino Unido: buscar informação, e não uma confissão. Em meados da década de 1980, depois de casos de falsas confissões, os tribunais britânicos proibiram os oficiais de usar algumas técnicas agressivas, como mentir sobre provas para provocar os suspeitos, e exigiram que os interrogatórios fossem gravados.
Hoje as autoridades reúnem o máximo possível de evidências antes de entrevistar um suspeito, e não fazem distinção entre essa chamada entrevista investigativa e um interrogatório, diz Ray Bull, professor de psicologia forense na Universidade britânica de Leicester. "Essas entrevistas soam mais como uma conversa de bar", disse Bull, que, com colegas como Aldert Vrij, da Universidade de Portsmouth, também no Reino Unido, foi pioneiro nessa área de pesquisa.
Bull analisou dezenas de fitas de interrogatório e disse que a polícia não havia relatado uma diminuição no número de confissões, nem grandes erros de justiça decorrentes de falsas confissões. Em um estudo de 2002, pesquisadores da Suécia concluíram que interrogatórios menos confrontadores eram associados a uma maior probabilidade de confissão.
Mas os pesquisadores forenses não abandonaram a busca por pistas verbais nos interrogatórios. Em análises do que as pessoas dizem quando estão mentindo ou quando são verdadeiras, eles encontraram diferenças enormes.
Kevin Colwell, psicólogo da Universidade de Southern Connecticut, EUA, assessorou departamentos de polícia, autoridades do Pentágono e oficiais de proteção à infância, que precisam checar a veracidade de relatos conflitantes de pais e filhos. Ele diz que as pessoas que inventam uma história em geral preparam um roteiro rígido e sem detalhes. "É como quando sua mãe o apanhava mentindo quando criança e você cometia erros realmente óbvios", diz Colwell. Em comparação, pessoas que dizem a verdade não têm roteiro e tendem a recordar detalhes mais estranhos e até a cometer erros. São mais desleixadas.
Os psicólogos estudam há muito tempo métodos para ampliar esse contraste. Utilizando trabalhos de Vrij e de Marcia K. Johnson, da Universidade Yale, entre outros, Colwell e Cheryl Hiscock-Anisman, da Universidade Nacional em La Jolla, Califórnia, desenvolveram uma técnica de entrevista que parece ajudar a distinguir entre mentira e verdade.
A entrevista é discreta mas exigente. A pessoa lembra uma memória vívida, como o primeiro dia de colégio, para que os pesquisadores tenham uma base de como a pessoa se comunica. Então ela conta livremente o evento que está sendo investigado, lembrando tudo o que aconteceu. Depois de várias perguntas, o entrevistado descreve o evento em questão novamente, acrescentando sons, odores e outros detalhes. Seguem-se várias outras etapas.
Em diversos estudos, Colwell e Hiscock-Anisman relataram uma diferença constante: as pessoas que dizem a verdade tendem a acrescentar 20% a 30% mais detalhes externos do que as que mentem. "É assim que a memória funciona, por associação", disse Hiscock-Anisman. "Se você está dizendo a verdade, essa lembrança de contextos provoca cada vez mais detalhes externos."
A ciência evolui depressa. Bull, Vrij e Par-Anders Granhag, da Universidade de Goteborg, na Suécia, têm descoberto que desafiar as pessoas com peças de evidências coletadas anteriormente, introduzidas aos poucos durante a entrevista, aumenta a tensão sobre os mentirosos. E tudo pode ser feito sem ameaças ou agressões, o que torna o processo mais fácil para autoridades e suspeitos.


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