São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Podem os "smartphones" transformar sociedades?

NOAM COHEN
ENSAIO

Entre as causas de indignação internacionais, privar os cidadãos de mapas personalizados parece uma das menos importantes. Mas essa foi a condição imposta pelo Egito para o lançamento do iPhone 3G da Apple. O governo egípcio exigiu que a Apple desativasse o sistema de posicionamento global do telefone, alegando que o GPS é uma prerrogativa militar.
A empresa parece ter concordado, provavelmente aceitando uma dica das companhias de telecomunicações que vendem o telefone lá, disse Ahmed Gabr, que dirige um blog local, o gadgetsarabia.com, e escreveu sobre o lançamento do iPhone. "A teoria é que usando uma unidade de GPS você pode obter coordenadas precisas de qualquer lugar, e assim bases militares e outras coisas podem ser facilmente alvejadas", escreveu.
Encontrei Gabr no verão passado em Alexandria, Egito, na conferência mundial da Wikipédia. Ele era um típico jovem egípcio entre os participantes -faminto por novas tecnologias, esperançoso sobre o que elas podem significar para seu país. Mas o Egito ilustra a natureza da tecnologia sob um governo opressor. Os jovens usam o site de relacionamentos Facebook com avidez. Para o maior país árabe do mundo, é uma forma de a elite educada se comunicar entre si e com os que deixaram o país para estudar.
Andrew Bossone, americano que vive no Cairo e escreve sobre tecnologia, disse que, apesar do preço, o iPhone no Egito é "realmente popular". No entanto, até agora, cada vez que a tecnologia prometeu ajudar a levar democracia ao país, as esperanças dos jovens foram frustradas. Um movimento por reformas que usava o Facebook para organizar protestos foi fechado. As autoridades prenderam muitos de seus organizadores. Recentemente, um blogueiro afiliado ao grupo radical Irmandade Muçulmana foi preso por causa de seus textos, segundo a Rede Árabe pelos Direitos Humanos.
É o suficiente para levantar perguntas sobre se a tecnologia -o computador pessoal, a internet, o todo-poderoso "smartphone"- vão ajudar o Egito a se libertar ou simplesmente causar essa ilusão.
A Apple modificou o iPhone egípcio sem qualquer comunicado público. Uma porta-voz da Apple detalhou o sucesso do aparelho em todo o mundo -ao todo, foram 13 milhões iPhones vendidos desde seu lançamento, em junho de 2007, e mais de 200 milhões de aplicativos baixados.
Mas a empresa não respondeu como o iPhone foi desabilitado e se a Apple tem a política de modificar seus produtos para cumprir exigências de governos. A pergunta segue relevante, no momento em que a empresa negocia o lançamento do aparelho na China.
Arvind Ganesan, diretor da ONG Human Rights Watch, colocou a questão em um contexto mais amplo. Ele descreveu a liberdade de informação como parte da liberdade de expressão, mais ampla e mais conhecida. Depois, argumentou que é importante as companhias de tecnologia definirem princípios e os seguirem: "A grande pergunta para a Apple é: 'Esta é uma abordagem caso a caso, ou existe uma política fundamental, equilibrando a liberdade de expressão e informação com as exigências dos governos?'".
É fácil ser envolvido pela utopia embutida nas novas tecnologias. Mesmo Ganesan demonstra uma esperança cautelosa. "As tecnologias não tornam as pessoas responsáveis. Elas dão às pessoas instrumentos para que sejam responsáveis. E a internet pode ter um efeito de abertura e transformação."
Ele disse que quando a Human Rights Watch foi fundada, em 1978, as pessoas "contrabandeavam cartas na União Soviética -era assim que o mundo ficava sabendo sobre um dissidente". Hoje há diversas ferramentas para disseminar ideias, como blogs, e-mails e o YouTube.
"Talvez não saibamos qual é o impacto máximo da abertura", ele disse. "Mas sabemos que nos lugares mais fechados acontecem as piores coisas".


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