São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Cientistas estudam os micróbios que equilibram nosso corpo


Pesquisas catalogam os ecossistemas dentro de nós

Por CARL ZIMMER

A paciente sofria de uma feroz infecção intestinal provocada pelo Clostridium difficile, que lhe causava uma diarreia constante e a mantinha em uma cadeira de rodas, usando fralda.
"Ela estava simplesmente se esvaindo pela sonda e provavelmente teria morrido", disse Alexander Khoruts, gastroenterologista da Universidade de Minnesota.
Khoruts decidiu que a paciente precisava de um transplante. Mas ela não recebeu um pedaço de intestino, um estômago ou qualquer outro órgão de outra pessoa. O médico misturou uma amostra das fezes do marido dela com uma solução salina e injetou no cólon da paciente.
Em um dia, a diarreia sumiu. E a infecção sarou, para nunca mais voltar.
O procedimento -conhecido como bacterioterapia, ou transplante fecal- foi realizado algumas vezes nas últimas décadas. Mas Khoruts e seus colegas conseguiram algo inédito: realizaram uma pesquisa genética das bactérias no intestino da mulher antes e depois do transplante.
Descobriram que, antes do transplante, a flora intestinal dela estava em uma situação lamentável. "As bactérias normais não existiam nela", disse Khoruts. "Ela foi colonizada por tudo de inadequado."
Duas semanas depois do transplante, os cientistas repetiram a análise. Os micróbios do marido dela haviam dominado.
"Essa comunidade foi capaz de funcionar e curar a doença dela em questão de dias", disse Janet Jansson, ecologista microbial do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley. "O projeto me impressionou", afirmou. Os cientistas de fato costumam se impressionar com a complexidade, o poder e a enorme quantidade de micróbios que vivem nos nossos organismos.
"Temos dez vezes mais micróbios do que células humanas", disse George Weinstock, da Universidade Washington, em St. Louis. Mas esse microbioma continua sendo um mistério. "São partes dos nossos corpos sobre as quais nada sabemos."
Weinstock e seus colegas estão catalogando sequências de DNA de milhares de novas espécies microbianas, e outros cientistas realizam experiências para descobrir o que esses micróbios realmente fazem.
O Projeto do Microbioma Humano, dirigido por Weinstock, está sequenciando os genomas inteiros de cerca de 900 espécies cultivadas no laboratório. Antes do projeto, os cientistas haviam sequenciado apenas cerca de 20 espécies do microbioma. Em maio, os cientistas publicaram detalhes dos primeiros 178 genomas. Eles descobriram 29,6 mil genes que não se parecem com quaisquer genes conhecidos.
As novas pesquisas estão ajudando os cientistas a entender os muitos ecossistemas que nossos corpos oferecem aos micróbios. David Relman, da Universidade Stanford, na Califórnia, estima que só na boca haja entre 500 e mil espécies. Mas o número ainda deve subir. "Quanto mais gente você examina, mais espécies encontra", disse.
A boca está subdividida em ecossistemas menores, como a língua, a gengiva e os dentes. Cada dente -ou mesmo cada lado de cada dente- tem uma diferente combinação de espécies.
Por causa dessa variação, o número total de genes no microbioma humano deve ser colossal.
Pesquisadores europeus e chineses recentemente catalogaram todos os genes microbianos em amostras de fezes coletadas de 124 indivíduos. Em março, eles publicaram uma lista de 3,3 milhões de genes.
A variação nos nossos microbiomas surge no momento em que nascemos, e continuamos a ser colonizados a cada dia de nossas vidas. "Essa nuvem de micróbios fica nos cercando e se infundindo", disse Jeffrey Gordon, da Universidade Washington.
Acabamos ficando com espécies diferentes, mas elas geralmente portam a mesma química essencial de que precisamos para sobreviver. Uma dessas tarefas é quebrar complexas moléculas vegetais.
Além de contribuir com a nossa digestão, os micróbios nos ajudam de muitas outras maneiras, como no combate a inflamações.
Muitas doenças são acompanhadas por mudanças dramáticas nos ecossistemas internos. Pessoas obesas, por exemplo, têm um conjunto diferente de espécies em seus intestinos do que pessoas com peso normal.
Em alguns casos, novos micróbios podem se mudar para os nossos organismos quando uma doença altera a paisagem. Em outros, os micróbios podem participar da aparição da doença.
Algumas pesquisas sugerem que bebês nascidos em cesáreas têm mais propensão a contrair infecções cutâneas pelo Staphylococcus aureus, resistente a antibióticos. É possível que eles não tenham o escudo defensivo dos micróbios do canal de parto da mãe.
As cesarianas também têm sido associadas a uma maior incidência de asma e alergias na infância. O uso excessivo de antibióticos também parece contribuir com isso.
Crianças que vivem em fazendas -onde podem pegar micróbios do solo- são menos propensas a doenças autoimunes do que as crianças das cidades.
Uma melhor compreensão do microbioma poderia dar aos especialistas uma nova maneira de combater as doenças. Mas Weinstock avisa que isso ainda pode estar longe.
Um quadro mais completo do microbioma só surgirá quando os cientistas puderem usar a informação genética que Weinstock e seus colegas estão coletando, para aplicá-la a mais experiências.


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