São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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ANÁLISE

Esperança árabe preocupa

Despertar árabe pode forçar EUA a tomarem partido

Por STEVEN LEE MYERS

WASHINGTON
Se as revoltas populares da Primavera Árabe criaram oportunidades para a diplomacia americana, o tumulto também tem gerado desafios -e hipóteses de "pior cenário"- que antes seriam quase inimagináveis para os Estados Unidos.
E se a busca palestina pelo reconhecimento do seu Estado na ONU, apesar dos apelos americanos em contrário, levar Israel ao Tribunal Penal Internacional, alimentar um ressentimento ainda maior contra os EUA ou desencadear uma nova onda de violência na Cisjordânia e em Gaza? Ou se o Egito, emergindo de décadas de regime autocrático, reagir ao sentimento anti-israelense renegando o tratado de paz de Camp David, que há três décadas é um baluarte histórico da estabilidade árabe-israelense na região?
"Estamos enfrentando um despertar árabe que ninguém poderia ter imaginado e poucos previram há alguns anos", disse a secretária de Estado Hillary Clinton. "E isso está varrendo para o lado um monte de antigos pressupostos."
Pode varrer também, ou pelo menos reduzir, a influência americana na região. A ousada proposta do presidente palestino, Mahmoud Abbas, de apresentar pedido para adesão plena à ONU equivaleu a rejeitar publicamente várias semanas de intensa diplomacia americana. Tal promessa se somou a uma rápida e preocupante deterioração nas relações de Israel com o Egito e a Turquia -os três países que tradicionalmente têm sido os mais sólidos aliados dos EUA na região.
Os recentes fatos transformaram de tal maneira a região que os EUA temem ser forçados a ter de tomar um partido. O que aconteceria se a Turquia, um aliado de peso da Otan ao qual os EUA são por tratado obrigados a defender, enviasse embarcações militares para escoltar navios até Gaza, num desafio ao bloqueio israelense, como o premiê Recep Tayyip Erdogan já ameaçou fazer?
Crises como a expulsão do embaixador de Israel na Turquia, a invasão na embaixada israelense no Cairo e os protestos em frente à de Amã, na Jordânia, contribuem com a sensação de urgência e forçam o governo Obama a reavaliar algumas das premissas fundamentais dos EUA.
"A região está transtornada", disse Robert Malley, analista-sênior do International Crisis Group, em Washington. E as ferramentas dos EUA "não são mais tão eficazes".
Os EUA, como potência global e membro do Conselho de Segurança da ONU, ainda têm uma capacidade significativa para moldar os próximos acontecimentos.
Isso foi salientado pela enxurrada de telefonemas que Obama, Hillary e o secretário de Defesa, Leon Panetta, fizeram a seus homólogos egípcios e israelenses para desarmar as tensões após o cerco deste mês à embaixada de Israel no Cairo.
Ao mesmo tempo, a derrubada de líderes que durante décadas preservaram um status quo estável, ainda que tenso - o egípcio Hosni Mubarak, o líbio Muammar Gaddafi e o tunisiano Zine el Abidine Ben Ali -, liberou forças poderosas e imprevisíveis. Nesse processo, receiam os diplomatas, as ações dos EUA podem até levar a Primavera Árabe para o radicalismo, ao irritar os cidadãos recém-emancipados.
No caso do Egito, Washington prometeu milhões de dólares para ajudar na transição democrática, mas então viu o conselho militar que governa o país fazendo restrições sobre como e onde o dinheiro seria gasto. O governo e os partidos políticos, em busca de apoio até a realização de eleições, intensificaram seu discurso antiamericano. Funcionários dos EUA alertaram para o surgimento de um governo hostil. E o primeiro ministro do Egito, Essam Sharaf, chegou a dizer que o histórico tratado de Camp David "sempre esteve aberto a discussão".
Embora o apoio firme a Israel seja há anos uma constante da política externa americana, a Turquia, que aspira a ampliar sua própria influência regional, é um parceiro crucial, ainda que imperfeito, na reação internacional aos combates na Líbia e nos esforços diplomáticos para isolar o presidente sírio, Bashar Assad.
Em setembro, a Turquia aceitou instalar um sistema americano de radares que faz parte da nova defesa antimísseis da Otan, num sinal da importância que o país tem na região para os EUA.
Hillary manifestou a esperança de que os EUA sejam capazes de apoiar as aspirações democráticas dos levantes árabes, mas reconheceu os muitos obstáculos.
"Estamos limitados pelo orçamento e até certo ponto limitados por obstáculos políticos", disse ela. "Estou determinada a fazermos o máximo que pudermos dentro dessas limitações."
O governo sofre críticas de todos os lados, e luta para acompanhar o ritmo dos acontecimentos na região.
"As coisas estão fluidas demais", disse Robert Danin, membro graduado do Conselho de Relações Exteriores. Os EUA, afirmou, "não estão dirigindo o trem -estão reagindo ao trem, e ninguém sabe aonde o trem está indo".


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