São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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Segurança cresce, e Bagdá volta a pecar

Por ROD NORDLAND

BAGDÁ - O vício está voltando à capital iraquiana. De modo geral, terminaram os toques de recolher noturnos e os extremistas religiosos -apesar de atentados recentes. Por isso, inevitavelmente, algumas pessoas estão voltando aos prazeres ilícitos ou pelo menos ligeiramente dúbios.
As boates reabriram, e em muitas delas há prostitutas à caça de clientes. As lojas de bebidas alcoólicas, fechadas pelas milícias fundamentalistas, hoje proliferam; em um quarteirão da movimentada rua Saddoun há mais de dez.
Está muito longe de Sodoma e Gomorra, mas talvez se aproxime da antiga Bagdá. Os baathistas, que governaram o país desde a década de 1960 até a invasão americana, em 2003, eram seculares e um tanto pecaminosos. Sob Saddam Hussein, Bagdá foi um lugar muito animado, com cafés abertos até as 2h ou 3h da manhã e prostitutas se oferecendo até na pista de boliche do hotel Al Rashid. "Tudo está voltando ao seu modo natural", disse Ahmed Assadee, roteirista de cinema que trabalha em uma novela.
Os homens se reúnem nos cafés para fumar narguilé e jogar dados e dominó. Nos fins de semana, a sala dos fundos da cafeteria Mustansiriya fica lotada de bancos baixos armados em torno de uma arena clandestina de briga de galos. Recentemente, os cerca de cem espectadores gritavam enquanto assistiam ao espetáculo sangrento, mas faziam suas apostas discretamente. Afinal, o jogo de azar é ilegal.
Walid Brahim, 25, especialista em bombas do Exército iraquiano, e seu irmão Farat, 20, eletricista, estavam sentados lado a lado a uma mesa do bar Nights of Abu Musa. "Isto é ótimo", disse Walid. "Costumávamos comprar álcool e beber escondidos em casa." A polícia local, cansada de anos fugindo de assassinos e limpando a cena de atentados a bomba, não está muito preocupada com um pouco de vício.
"Hoje lidamos com coisas mais normais. Todo o mundo enfrenta esses problemas", disse o coronel Abdel Jaber Qassim Sadir, delegado-assistente em Karada, bairro central de Bagdá. Sobre a prostituição, "esse tipo de comportamento não pode ser impedido", disse Sadir. "É muito difícil encontrá-lo em público; ele ocorre em lugares secretos e isolados."
Na verdade ocorre em lugares nem tão secretos assim, como alguns clubes noturnos em Karada, onde a entrada custa R$ 110. Com R$ 330 por semana considerados um bom salário, os clientes não pagariam tanto apenas pelo privilégio de beber. No Ahalan Wasahalan Club, em uma noite recente, a dona, Tiba Jamal, estava recebendo os clientes em uma sala com uma pista de dança praticamente vazia e muitas mesas.
Jamal chama a si mesma de Sheikha, o feminino de xeque, título honorífico que ela aparentemente adotou. Veste um xador preto e justo da cabeça aos pés e está enfeitada com um quilo de ouro puro.
As "funcionárias" da boate usam bem menos roupa, mas nada que seria considerado ousado em uma rua da Europa no verão. "É bom ver as pessoas se divertirem de novo", disse Jamal. Um cliente habitual disse: "Você pode ter qualquer dessas garotas para passar a noite com você por apenas R$ 220". Mas antes os clientes devem passar algumas horas comprando cervejas por R$ 40 ou uísques ainda mais caros.
Uma jovem que disse ter 28 anos mas aparenta 18 fumava e bebia refrigerantes enquanto seu "namorado" tomava uísque. Estudante universitária, ela deu apenas o nome de Baida, mas foi franca sobre sua profissão noturna. Alguma coisa a havia forçado a fazer isso? "Não", ela disse. "Eu saio com os homens para ganhar dinheiro." Para sustentar a família? Ela pareceu surpresa com a pergunta. "Não, para mim mesma." Um detetive de polícia disse que nem pensaria em aplicar a lei contra as prostitutas.
"Elas são as melhores fontes que temos", disse o policial, que prefere manter o anonimato. "Elas sabem tudo sobre os membros da JAM e da Al Qaeda", disse, usando a sigla da milícia xiita Jaish al Mahdi, ou Exército do Mahdi. "Se eu pudesse, destruiria todas as mesquitas e espalharia as prostitutas ainda mais", agregou o detetive. "Pelo menos elas não são sectárias."
Outros ficam incomodados com a presença das prostitutas. "É terrível ver a prostituição aumentar desse jeito", disse Hanaa Edwar, secretária-geral do grupo de direitos humanos iraquiano Al Amal. "Essas mulheres vêm de famílias deslocadas, [são] pessoas pobres que têm de se vender para conseguir dinheiro para suas famílias e filhos."
Ela foi criticada ao levantar o assunto no Parlamento iraquiano. "Eles ficaram chocados e não quiseram iniciar uma discussão a respeito", disse Edwar. O choque foi ela ter ousado mencionar o tema. Certamente o vício sempre tem um lado feio. A Al Amal encomendou um relatório no ano passado que examinou as prostitutas que trabalham nas ruas de Bagdá. Uma delas era uma garota de 15 anos que havia sido expulsa da escola por se vestir inadequadamente, então passou a se prostituir, segundo o relatório.
Outra tinha 18 anos e foi obrigada a se tornar a segunda mulher de um homem mais velho; ela fugiu e não tinha outra maneira de se sustentar. Uma outra prostituta tinha apenas 12 anos.
O abuso de drogas, pelo menos, é um problema que não aparece muito ou fica bem escondido, segundo a polícia. Não é de surpreender que a droga preferida dos moradores de Bagdá seja o Valium, disse o coronel Sadir. A maioria das pessoas já teve muita emoção nos últimos seis anos sem sair de casa.

Colaboraram Riyadh Mohammed, Suadad al-Salhy e Muhammed al-Obaidi



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