São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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ensaio

TARA PARKER-POPE

Bactérias proliferam após uso de antibióticos


A C. difficile criou imunidade a drogas e ficou mais perigosa


No início deste ano, Harold e Freda Mitchell, de Mississipi (EUA), tiveram uma séria doença no estômago. A princípio os médicos não sabiam o que estava errado, mas os sintomas gastrointestinais se tornaram tão graves que Freda, 66, ficou hospitalizada por duas semanas.
Um médico local reconheceu sinais da Clostridium difficile, uma bactéria contagiosa e potencialmente mortal. Embora a doença seja difícil de identificar, autoridades estimam que nos EUA a bactéria cause 350 mil infecções por ano somente em hospitais, com dezenas de milhares de outras ocorrendo em lares de idosos. Enquanto a maioria dos casos é encontrada em ambientes hospitalares, 20% ou mais podem ocorrer na comunidade. A doença mata de 15 mil a 20 mil pessoas anualmente.
"É a pior coisa que já tive de superar na vida", disse Freda Mitchell, ainda enfraquecida pela doença. "Eu realmente pensei que fosse morrer."
O mais assustador da C. difficile é que muitas vezes ela é estimulada pelos antibióticos. As drogas eliminam a doença-alvo, mas também matam grande parte das bactérias saudáveis que vivem no aparelho digestivo. Se uma pessoa entra em contato com a C. difficile ou já a tem, o distúrbio das bactérias benéficas cria uma oportunidade para que bactérias nocivas floresçam.
Especialistas em saúde pública vêm alertando há anos sobre o uso excessivo de antibióticos e o surgimento de "supermicróbios" -bactérias que criaram imunidade a diversos antibióticos.
"Aconselhamos aos consumidores que tenham certeza de que um antibiótico é necessário", disse Dale N. Gerding, especialista em doenças infecciosas na Universidade Loyola, em Chicago. "Há muitos bons motivos para tomar um antibiótico, mas sinusite ou bronquite acabam sendo tratadas com remédios mesmo que possam desaparecer sozinhas."
O tratamento típico da C. difficile é outra bateria de antibióticos, geralmente da droga vancomicina. Mas a situação pode rapidamente se tornar trágica. Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA registraram vários casos de mulheres grávidas e no pós-parto que desenvolveram infecções de C. difficile potencialmente fatais após serem tratadas de pequenas infecções. Em alguns casos, uma infecção de C. difficile requer uma cirurgia de emergência para retirar o cólon do paciente.
Médicos dizem que muitos relatam surtos regulares de diarreia mesmo depois que a infecção se foi. Cerca de 20% dos pacientes com infecção sofrem recaída. No caso da família Mitchell, o marido havia tomado antibióticos para outro problema de saúde, e o tratamento aparentemente levou à infecção de C. difficile. Freda provavelmente contraiu a doença de seu marido. Médicos dizem que a doença dela é incomum porque a maioria das pessoas é protegida por sua própria flora bacteriana e não seria vulnerável à C. difficile se não tivesse tomado antibióticos.
O risco de contrair a bactéria fora de um hospital continua baixo, cerca de 7 casos por 100 mil pessoas, segundo estudos. O índice de infecção por C. difficile entre pacientes de hospital dobrou entre 2001 e 2005, segundo um relatório de abril de 2008 do CDC. O aumento de casos em todo o mundo está ligado ao crescimento do uso de todos os antibióticos, especialmente a droga chamada fluoroquinolones, que se popularizou em 2001.
A C. difficile também está mais mortal. Anos atrás, o índice de mortalidade de uma infecção pela bactéria variava de 1% a 2%. Mas hoje vários estudos estimam que o índice de mortes é de 6%. O motivo é o surgimento de uma variedade ultravirulenta que emite níveis mais altos de toxinas.
Pacientes e visitantes de hospitais devem lavar as mãos, e os visitantes deve evitar sentar-se no leito de um paciente ou usar o banheiro dele. Os pacientes devem relatar sintomas de diarreia grave ao médico.
"Até cerca de 2002 essa era uma doença muito branda e pouco mortal", disse Perry Hookman, gastroenterologista e professor de medicina na Universidade de Miami. "Mas, nos últimos anos, os micróbios se tornaram hipervirulentos, mais severos, e viraram uma ameaça global."


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