São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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INTELIGÊNCIA

ROGER COHEN

O futuro pode esperar

Eu estava sentado em um adorável jardim um dia desses; os insetos zumbiam em meio às alfazemas e entre botões de rosa que começavam a florescer, e pensei comigo mesmo que momentos como aquele haviam se tornado extremamente raros. No passado, o tempo costumava ser medido pelos ciclos da Lua; hoje, é medido nos nanossegundos que separam cada mensagem recebida por meio de um BlackBerry. Com "momentos como aquele" quero dizer momentos em que nos permitimos relaxar, recordar o ciclo da Lua, o brilho prateado dos álamos e a animação das crianças diante do nascimento de uma ovelha ou um cabrito.
Nós nos afastamos do movimento do planeta Terra, primeiro visto da Lua pela humanidade há 40 anos, e nos vemos transfixados pela tecnologia. A vida sedentária que passamos contemplando telas nos reduz a uma massa amorfa. Prometi a mim mesmo que jamais me tornaria um velho ranzinza, mas veja só. Certamente deve existir uma idade em que usar o Twitter é considerado inadmissível.
Qualquer pessoa nascida no Ocidente nos anos intermediários do século passado se inclina a um sentimento recorrente de que, em suas primeiras décadas de vida, até mais ou menos o final da Guerra Fria, pouca coisa mudou, ou o fez em ritmo administrável. Mas depois passamos a enfrentar uma tormenta tecnológica.
Um resultado disso é que nossas vidas parecem paleolíticas aos olhos de nossos filhos. Passei grande parte dos meus 53 anos sem ter um celular e não senti qualquer inconveniência perceptível. Mas, quanto tento explicar isso aos meus filhos, eles demonstram incredulidade.
"Como é que você organizava seus encontros com as pessoas antes de existirem os celulares?", disse meu filho um dia desses. "Eu combinava com elas no Big Ben às 18h30, esperava lá, e, se a pessoa não aparecesse, em meia hora eu ia embora", respondi. A verdade é que eu esperava uma hora, se a moça fosse bonita. Mas não é o tipo de detalhe que considero relevante. E, de qualquer forma, minha revelação sobre os encontros pessoais na era pré-celular causou estranheza ao meu filho. "Calma aí", ele disse. "O que é Big Ben?"
"O relógio em Londres!".
"Foi o que imaginei. Mas, pai, por que você marcava um encontro com alguém em um relógio?" A conversa estava escapando dos trilhos, como é comum no diálogo entre pais e filhos adolescentes. E me fez refletir. Os jovens fazem cada vez menos planos, hoje em dia. Tudo é fluido, devido à disponibilidade instantânea de mensagens de texto, e-mail e assim por diante. Planejar é antiquado e foi substituído por uma perene maleabilidade.
As secretárias eletrônicas também morreram. Por que deixar um recado se o seu número fica registrado quando você liga? Os CDs parecem hoje quase tão antiquados quanto as cabines telefônicas, ainda que downloads respondam por apenas 25% dos álbuns vendidos. A inovação distorce as perspectivas.
Mas é necessário manter a perspectiva. Naquele jardim, por exemplo, eu estava lendo um belo livro sobre um jardim iraniano, "Garden of the Brave in War" (Jardim do bravo em guerra), de Terence O'Donnell. E nele encontrei esse trecho, no qual um conhecido iraniano do autor oferece sua perspectiva sobre as relações internacionais: "Vocês, nações jovens", disse ele, "vocês -russos, britânicos, alemães e todo o resto da turma ocidental- deveriam ser mais gentis, mais corteses, para com as velhas sociedades -nós, os egípcios. Afinal, em nossa era demos muito ao mundo, e também passamos por séculos de dor e sofrimento. Agora, estamos velhos e fatigados.
Por que vocês não nos demonstram mais respeito e mais consideração?" Os EUA, é claro, são o país jovem por excelência, sempre conectados ao futuro. Mas o futuro é exaustivo. Desacelere um pouco e ouça os sábios conselhos do passado distante quanto a respeito e consideração.

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