São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ENSAIO

NATASHA SINGER


Para que servem os amigos? Saúde melhor, talvez


Pessoas sociáveis podem afetar o bem-estar alheio

Sua rede social faz você engordar? Seus amigos e parentes influenciam você a fumar e beber mais? Agora, se os seus relacionamentos contribuem com comportamentos que prejudicam sua saúde, não seria possível aproveitar as redes sociais para melhorá-la?
Essas são questões seminais da "ciência das redes", um campo emergente, que examina como mudanças comportamentais se espalham por redes sociais -no caso, estou falando das velhas relações de carne e osso.
"É uma coisa velhíssima que nós fazemos, como as formigas, nos organizando para viver em estruturas sociais", diz Nicholas Christakis, professor da Universidade Harvard que estuda a saúde e as redes sociais.
Christakis e James Fowler, professor-associado da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, criaram polêmica em 2007 com um estudo no qual defendiam que a obesidade podia ser contagiosa -espalhando-se pelos laços sociais.
Uma das conclusões do estudo foi que a chance de uma pessoa se tornar obesa crescia 57% se essa pessoa tivesse um amigo obeso. Uma descoberta surpreendente foi que a propensão à obesidade dependia não só do ganho de peso dos amigos, mas também dos amigos dos amigos.
Agora, Christakis, Fowler e outros cientistas estão se voltando para um novo campo de pesquisas: como aproveitar as redes sociais para promover a saúde pública.
Já sabemos que as pessoas podem mudar -e de fato mudam- seus hábitos de saúde quando buscam novos agrupamentos sociais e deles participam. Mas como extraímos informação das redes sociais existentes para melhorar a saúde pública?
Um método é identificar os chamados "conectores sociais", pessoas que passam mais tempo com os amigos do que a média -e ficam, portanto, expostas a mais germes e são mais propensas a estarem entre as primeiras a contraírem doenças contagiosas.
Se as autoridades sanitárias conseguirem localizar essas pessoas sociáveis, poderão usar um sistema de detecção precoce de epidemias, e saber quem vacinar primeiro.
No inverno passado, Christakis e Fowler monitoraram os amigos das pessoas para seguir a difusão da gripe H1N1 em Harvard. Eles acompanharam 744 alunos de graduação que foram selecionados aleatoriamente ou citados como amigos por alunos aleatoriamente selecionados. Então, usando os prontuários médicos eletrônicos dos graduandos, identificaram quais alunos recorreram ao serviço médico da universidade.
Conforme o estudo, publicado em 15 de setembro na revista "PLoS One", a gripe se desenvolveu no grupo dos amigos cerca de duas semanas antes que no grupo dos alunos selecionados aleatoriamente. Os resultados, segundo os autores, indicam que as autoridades de saúde pública poderiam usar o monitoramento das amizades como se fossem os gânglios sentinelas no organismo humano, um sistema de detecção precoce de doenças.
"Este método, embora tenhamos estudado o H1N1, poderia ser aplicado a qualquer coisa que se espalhe -como tabagismo ou ganho de peso", diz Fowler.
Alguns pesquisadores também estão estudando como a estrutura de uma rede social afeta a velocidade com que as pessoas adotam e mantêm hábitos saudáveis.
Damon Centola, professor-assistente de sociologia econômica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), conduziu uma experiência em que mais de 1.500 podiam participar de um fórum da internet em que davam notas a sites com informações sobre saúde.
Centola distribuiu aleatoriamente os participantes em dois modelos de redes sociais: um deles como um bairro residencial, com aglomerados de relações em comum entre vizinhos; o outro, como uma rede aleatória.
Cada participante foi então associado a outro membro, chamado "colega da saúde". Embora as pessoas não pudessem contatar seus colegas diretamente, elas recebiam e-mails do sistema sobre as atividades dos seus colegas no site.
O modelo de vizinhança se mostrou muito superior que a rede social aleatória no sentido de induzir as pessoas do estudo a aderirem e participarem do fórum sobre saúde, afirmou Centola no estudo publicado em setembro na revista "Science".
O mais importante, diz ele, é que quanto mais e-mails as pessoas recebiam sobre as atividades dos seus colegas de saúde, com maior frequência elas voltavam ao fórum.
No mundo real, afirma ele, isso significa que o mais importante talvez não seja quem está incentivando as pessoas a melhorarem seus hábitos de saúde, mas o volume de estímulos sociais que a pessoa recebe nesse sentido.
Uma rede local de amigos ou vizinhos pode ser mais importante do que, por exemplo, uma celebridade remota orientando adolescentes sobre doenças sexualmente transmissíveis. Se quisermos realizar mudanças duradouras nos nossos hábitos de saúde, diz Fowler, talvez precisemos de um reforço social em que nossos amigos, para não falar dos amigos dos amigos, mudem seus hábitos conosco. Não é pouca coisa para uma rede social.


Texto Anterior: Enquanto a Europa observa, orgulho supera culpa na Alemanha
Próximo Texto: Veneza debate outdoors
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.