São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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NOVA YORK

Um manual feito para lidar com terroristas e epidemias

Por WILLIAM GLABERSON

Grandes desastres, como ataques terroristas e epidemias em massa, geram questões de difícil resolução para serviços de resgate, médicos e governos. Além disso, apresentam questões legais confusas, incluindo algumas dolorosas. Exemplo: como os tribunais devem decidir quem recebe medicamentos que podem salvar vidas, no caso de haver mais vítimas que medicamentos.
Mas os tribunais, assim como os corpos de bombeiros e os investigadores de homicídios, existem para cuidar de casos hipotéticos sinistros. Com isso em mente, foi publicado em Nova York um manual jurídico estadual oficial que traz diretrizes para juízes e advogados que podem enfrentar dilemas cruéis em casos de ataque terrorista, epidemia ou contaminação química ou radiológica.
Quarentenas. O fechamento de empresas. Retiradas em massa de moradores de um local. O abate de animais contaminados e o confisco de bens. Os casos em que as leis podem ser suspensas; a possibilidade de pessoas com chances de contaminar outras serem isoladas ou submetidas a tratamento compulsório. Está tudo ali no manual, expresso em linguagem jurídica precisa, publicado pelo sistema estadual de tribunais e a associação de advogados.
As realidades legais mais espantosas são tratadas com linguagem moderada, típica de advogados. O manual observa que o governo possui poderes amplos para declarar estado de emergência. "Isto tendo sido feito", ele prossegue, "as autoridades locais poderão decretar toques de recolher, colocar grandes áreas sob quarentena, fechar empresas, limitar o direito de reunião pública e, sob determinadas circunstâncias, suspender a vigência de regulamentos locais."
Ronald P. Younkins, o chefe de operações do sistema judiciário estadual de Nova York, disse que a criação do manual foi semelhante a outras medidas de planejamento para emergências eventuais que os tribunais de Nova York vêm tomando, entre as quais manter estoques de máscaras de gás e luvas de látex. Segundo ele, a intenção é proporcionar a juízes e advogados diretrizes sobre as quais se basearem na eventualidade de emergências, pois o labirinto de leis federais e estaduais pode ser difícil de decifrar. Para juízes, o manual pode ser uma maneira de recapitular o caso de Mary Mallon, apelidada de "Typhoid Mary" (Mary Tifo), que foi mantida em isolamento numa ilha no rio East de 1915 até sua morte, em 1938.
Publicado sob um título de normalidade que desarma, "Manual Legal de Saúde Pública do Estado de Nova York", o livro de cenários apocalípticos não promulga leis novas, mas descreve as existentes e proporciona a advogados e juízes maneiras de analisar um sem-número de situações possíveis.
Em casos em que não haja medicamentos suficientes para todos em uma emergência, diz o manual, não há critérios legais claros nos quais se basear. O livro sugere que as decisões legais envolverão uma análise que "leve em conta a obrigação de salvar o maior número possível de vidas, contrapondo-a à obrigação de prestar atendimento a cada paciente individual", possivelmente dando preferência aos pacientes que tenham as melhores chances de sobrevivência. Mas ressalva que idosos e deficientes físicos poderão recorrer à Justiça se forem discriminados em tais momentos de crise.
Em prefácios separados, o juiz supremo do Estado, Jonathan Lippman, e o presidente da associação de advogados, Stephen P. Younger, dizem que as ameaças à saúde pública hoje estão mais evidentes que nunca, de modo que as questões legais envolvidas devem ser analisadas agora, e não no momento em que uma emergência estiver em curso.
Depois de mencionar que imóveis residenciais ou comerciais poderão ser requisitados para abrigar vítimas ou para estocar remédios e equipamentos médicos, o manual afirma que "violações dos direitos individuais de propriedade, se forem contestáveis, geralmente serão tratadas depois de terminada a necessidade de recorrer a tais ações".
Sem mencionar que os próprios juízes ou outros integrantes dos tribunais podem estar entre os mortos ou feridos, o manual diz que, quando houver escassez de funcionários legais, os administradores poderão tomar diversas medidas para manter os tribunais em funcionamento. Poderão tratar de procedimentos múltiplos sob a direção de um único juiz, mudar regras de procedimentos e priorizar casos decorrentes da emergência.
E o manual fornece instruções assustadoras sobre como levar adiante o funcionamento dos tribunais em meio a surtos de doenças contagiosas. Os estoques de luvas e máscaras de gás "já disponíveis em muitos tribunais", diz o livro, podem ser necessários.
Em um dia recente, no distrito do Brooklin, o juiz administrativo dos tribunais criminais, Barry Kamins, ouviu uma leitura de trechos do manual, incluindo a seção que menciona o uso de máscaras cirúrgicas por todos os presentes no tribunal. "Estou tentando imaginar isso", disse Kamins. "É difícil imaginar-se nessa situação."
Mas, segundo ele, os tribunais de Nova York já passaram por muitas situações difíceis, incluindo o período que se seguiu aos ataques do 11 de setembro. A gripe suína levou máscaras a alguns tribunais, devido à preocupação das pessoas com a possibilidade de contágio. Réus que mordem e arranham às vezes chegam ao tribunal acorrentados e são forçados a usar luvas.


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