São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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Canções latinas alegram quase todos no metrô

Por KIRK SEMPLE

Luis Tigre embarcou no trem D numa manhã recente com dois colegas. Mas, diferentemente dos outros passageiros do metrô, os três já tinham chegado a seu local de trabalho.
Quando as portas do trem fecharam, Tigre -trajando chapéu de caubói e botas de couro de crocodilo e com uma sanfona enfeitada a tiracolo- examinou o vagão para ver se havia policiais a bordo. Não vendo nenhum, ele fez sinal para seus amigos, que posicionaram as mãos sobre seus violões e começaram a tocar uma balada popular mexicana que descreve o esforço de um imigrante salvadorenho para chegar aos Estados Unidos.
"Eu sabia que precisaria de mais que coragem, sabia que talvez não conseguisse chegar", cantou Tigre em espanhol. Seu dia de trabalho tinha começado.
O grupo do sanfoneiro, Fuerza Norteña del Tigre, faz parte de uma comunidade crescente de músicos mexicanos que se apresentam no metrô de Nova York. Eles tocam sobretudo música norteña, que funde estilos mexicanos tradicionais, como a ranchera, com os ritmos da polca e da valsa levados ao México no século 19 por imigrantes alemães e tchecos.
Extremamente popular entre os mexicanos, o gênero surgiu na região da fronteira entre o México e o Texas.
Reconhecíveis por seus chapéus de caubói e os "corridos" -canções de amor, dor e da experiência imigrante- emotivos que cantam, essas bandas constituem uma ousada manifestação da cultura mexicana numa cidade em que boa parte da população vinda desse país passa longos dias trabalhando na obscuridade, atrás das portas de cozinhas de restaurantes ou das cercas altas de obras em construção.
"Superficialmente, os mexicanos são uma presença muito discreta", comentou Gaspar Orozco, poeta e cônsul mexicano de Nova York que dirigiu o documentário "Subterraneans", sobre os músicos do metrô. "Mas, no metrô, eles explodem com toda essa energia vital, toda essa ousadia, com todo o orgulho de serem músicos mexicanos."
Mas a Autoridade Metropolitana de Transportes proíbe que se toquem instrumentos musicais em trens do metrô. As multas aplicadas chegam a US$ 75 por pessoa. A punição pode incluir uma noite na cadeia ou a prestação de serviços à comunidade. No caso de imigrantes ilegais, essas infrações civis, geralmente, não motivam um exame do status imigratório do infrator.
Mas os músicos parecem tolerar as penalidades, apesar de US$ 75 representar o que ganham em um dia bom no metrô.
"Nossos filhos precisam comer", disse Tigre, 41, que é divorciado e tem três filhos nascidos nos EUA. "Se eu tivesse um emprego regular, não tocaria no metrô."
O crescimento dos grupos musicais vem se dando em paralelo com o aumento do número de mexicanos em Nova York. Segundo as estimativas de vários dos músicos, há pelo menos 15 desses grupos que tocam no metrô. Mas os grupos se formam, dissolvem e trocam de integrantes constantemente.
Luis Tigre cresceu em Piaxtla, um vilarejo rural no México. Abandonou a escola aos dez anos de idade para trabalhar numa fazenda de gado e se mudou para Nova York em 1986. Em 1990, seu irmão mais velho o ensinou a tocar sanfona, um dos instrumentos básicos da música norteña.
Ele toca no metrô vários dias por semana, exceto quando consegue trabalho na construção, que paga mais, contou. "Mas a música é minha vida", ressalvou.
Como as outras bandas, a Fuerza Norteña normalmente começa a tocar por volta das 9h00 e faz uma pausa para o almoço às 14h00, quando os barulhentos alunos de escolas começam a lotar os trens, voltando para casa.
"Eles são espalhafatosos", disse Javier Francisco Durantes, 53, que toca o violão "bajo sexto", de 12 cordas. Alguns adultos também tratam os músicos com hostilidade, mas é comum que a música deixe as pessoas encantadas, especialmente se elas também são imigrantes do México.
Na rua 145, um homem carregando uma sacola de compras embarcou no trem. As portas se fecharam, e a música tomou conta do vagão. "É como uma festa aqui dentro", disse o passageiro, sem falar com qualquer pessoa em particular.


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