São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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China exporta trabalhadores, alvo de rejeição

Por EDWARD WONG

TRUNG SON, Vietnã - A prosperidade parecia ter chegado à aldeia de Trung Son, no norte do Vietnã, quando uma companhia chinesa e uma japonesa decidiram construir ali uma usina elétrica movida a carvão. Milhares de empregos seriam criados, ou era isso que os moradores esperavam.
Quatro anos depois, a usina térmica de Haiphong está quase concluída. Mas somente algumas centenas de vietnamitas conseguiram empregos. A maioria dos trabalhadores foram chineses, cerca de 1.500 no auge. Centenas deles continuam ali, trabalhando durante o dia no canteiro de obras e à noite amontoados em dormitórios precários. "Os trabalhadores chineses dominam os trabalhadores vietnamitas aqui", disse Nguyen Thai Bang, 29, eletricista vietnamita.
A China, famosa por exportar produtos baratos, também é cada vez mais conhecida por exportar mão de obra barata. Esses migrantes globais muitas vezes trabalham em fábricas ou em projetos de construção e engenharia dirigidos por chineses, mas o leque de empregos é surpreendente: de plantar flores na Holanda a trabalhar em escritórios em Cingapura e cuidar de vacas na Mongólia -e até entregar jornais no Oriente Médio.
Só que a reação contra eles está crescendo. Em toda a Ásia e a África brotaram episódios de protesto e violência contra os trabalhadores chineses. Vietnã e Índia estão entre os países que impuseram novas regras trabalhistas para companhias estrangeiras e restringiram a entrada de chineses, tensionando as relações com Pequim.
No Vietnã, dissidentes e intelectuais estão usando a questão para contestar o Partido Comunista, no poder. Um advogado processou o premiê Nguyen Tan Dung por ter aprovado um projeto chinês de mineração de bauxita, e a Assembleia Nacional questiona autoridades sobre contratos chineses, algo incomum nesse Estado autoritário.
Os trabalhadores chineses continuam seguindo as estatais da China que ganham licitações no exterior para construir usinas elétricas, fábricas, ferrovias, estradas, linhas de metrô e estádios. De janeiro a outubro de 2009, as companhias chinesas concluíram US$ 58 bilhões em obras, aumento de 33% em relação ao mesmo período de 2008, segundo o Ministério do Comércio da China.
Da Angola ao Uzbequistão, do Irã à Indonésia, cerca de 740 mil trabalhadores chineses estavam no exterior no final de 2008, com 58% deles enviados somente no ano passado, segundo o ministério. O número que foi para o exterior neste ano deverá ser aproximadamente o mesmo. Os trabalhadores são contratados na China, diretamente por empresas locais ou por agências de trabalho que os colocam; existem cerca de 500 agências licenciadas e muitas ilegais.
Os executivos chineses dizem que os trabalhadores do país nem sempre são mais baratos, mas tendem a ser mais capacitados e mais fáceis de administrar que os trabalhadores locais.
"Seja em relação aos benefícios sociais ou aos econômicos para os países que recebem trabalhadores chineses, eles têm muito boas coisas a dizer sobre eles e sua capacitação", disse Diao Chunhe, diretor da Associação Internacional de Empreiteiras da China, organização governamental em Pequim.
Mas, em alguns países, os habitantes acusam os chineses de roubar empregos, permanecer ilegalmente e isolar-se, construindo um mundo-bolha que imita a vida na China.
"Existem aldeias inteiras de chineses hoje", disse Pham Chi Lan, ex-vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria do Vietnã. "Nunca vimos essa prática em obras feitas por empresas de outros países."
Num canteiro de obras a nordeste da cidade portuária de Haiphong, no Vietnã, surgiu todo um mundo chinês: compostos de dormitórios murados, restaurantes com placas em chinês anunciando bolinhos e arroz frito, casas de câmbio, supostas casas de massagem -e até uma placa na própria obra que diz "Guangxi Road", referindo-se à Província natal da maioria dos trabalhadores.
Certa noite, oito trabalhadores em uniformes azuis estavam em um restaurante lotado que foi aberto por um homem de Guangxi a pedido da principal empreiteira do projeto, a Guangxi Power Construction Company. Seus rostos estavam avermelhados de beber vinho de arroz chinês. "Fui mandado para cá e estou cumprindo meu dever patriótico", disse Lin Dengji, 52.
Essas cenas podem causar tensões no Vietnã, que se orgulha de resistir à dominação chinesa desde que rompeu o jugo chinês, no século 10?. Os países lutaram uma guerra de fronteiras em 1979 e ainda têm uma disputa de soberania no mar do Sul da China.
Os vietnamitas são conscientes do poderio econômico do vizinho ao norte. O Vietnã teve um deficit comercial de US$ 10 bilhões com a China no ano passado. Em julho, uma autoridade do Ministério da Segurança Pública do Vietnã disse que 35 mil trabalhadores chineses estavam no país, segundo o jornal progressista "Tuoi Tre". O anúncio chocou muitos vietnamitas.
"A presença econômica chinesa no Vietnã é mais profunda e extensa e está avançando mais depressa do que as pessoas percebem", disse Le Dang Doanh, economista de Hanói que foi conselheiro do governo anterior. O Vietnã em geral proíbe a importação de trabalhadores não especializados e exige que as empreiteiras estrangeiras contratem seus cidadãos para fazer obras civis.
Na usina de Haiphong, a empresa vietnamita proprietária do projeto se irritou neste ano com o ritmo lento do trabalho. Ela se uniu aos gerentes chineses para forçar as autoridades a permitir a importação de mais trabalhadores não especializados.
Os chineses ali ficam abrigados em dormitórios improvisados e são segregados por profissão: soldadores, eletricistas e operadores de guindaste.
Um poema escrito em uma porta de madeira testemunha a natureza incerta de suas vidas: "Somos todos pessoas flutuando ao redor do mundo. Nós nos encontramos, mas nunca nos conhecemos realmente".


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