São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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43 horas de luta contra um câncer

Por DENISE GRADY

Às 12h de 9 de dezembro, após 26 horas de cirurgia, uma equipe médica de Nova York finalmente conseguiu retirar o fígado de Robert Collison. Mais difícil ainda seria colocá-lo de volta no paciente.
Um enorme tumor maligno na parte de trás da cavidade abdominal de Collison havia se unido ao fígado e dominado outros órgãos e vasos sanguíneos. Quimioterapia e radiação não o haviam contido. Os médicos diziam que o câncer era inoperável e iria matar Collison, 59, que no entanto não estava disposto a se entregar.
"Ainda não dá para ir embora", disse o paciente, que tem cinco filhos e nove netos, na véspera da cirurgia. "Tenho muita diversão pela frente."
Ele havia chegado ao Hospital NewYork-Presbiterian/Centro Médico da Universidade Columbia para ser tratado por Tomoaki Kato, um dos poucos cirurgiões dispostos a assumir um caso tão difícil e arriscado.
Kato é especialista em ressecção "ex vivo" -retirar órgãos e operá-los fora do corpo para remover tumores que não podem ser tratados de outro modo, e então costurar os órgãos de volta no lugar.
Os procedimentos são extenuantes maratonas cirúrgicas que podem facilmente durar mais de 30 horas, envolver uma dúzia de cirurgiões e anestesistas e custar mais de US$ 300 mil.
"Se você não faz, o paciente não tem chance de viver", disse Kato, 46, que já comandou cerca de 16 operações "ex vivo" e foi assistente em outras seis.
A cirurgia acabou sendo ainda mais difícil do que o previsto e a mais longa já feita por Kato. Collison, um homem retorcido e grisalho, dono de uma revendedora de ferramentas, tinha um liposarcoma, espécie rara de câncer que surge nas células adiposas. Não teve sintomas até outubro de 2008, quando começou a sentir coceiras no corpo todo e a apresentar icterícia.
Uma tomografia revelou um tumor do tamanho de um grapefruit, pressionando o fígado e bloqueando o ducto biliar. Três anos antes, segundo sua mulher, Mary, um exame abdominal havia dado resultado normal.
Os vasos sanguíneos apanhados no tumor tornavam a cirurgia perigosa demais, segundo os médicos de Milwaukee, em cujos arredores o paciente vive. Um ano depois, apesar da químio e radioterapia, o tumor estava do tamanho de uma bola de futebol americano, e Collison começava a definhar -já havia perdido 30 kg.
A cirurgia foi, na verdade, uma série de operações assustadoramente complexas. Era preciso ceder algum terreno ao tumor, que sufocava partes do estômago, do intestino e do pâncreas.
Cada um desses órgãos deveria ser dividido em dois, para que as partes saudáveis continuassem em Collison, e as partes sufocadas, inclusive dois terços do estômago, fossem retiradas com o tumor. As porções que permanecessem teriam de ser reconectadas ao trato digestivo.
Vários vasos sanguíneos também haviam sido atingidos pelo tumor e precisariam ser substituídos. Kato teria de reconstruir partes de duas veias importantes com tubos de Gore-Tex (um tecido sintético) e substituir outra pela veia jugular interna retirada do pescoço do paciente.
Quando o fígado finalmente saiu, o tumor pendurado nele era uma enorme massa densa e carnosa. Incrustado no tumor havia segmentos do estômago, pâncreas e intestino de Collison. Kato o entregou a Jean Emond, diretor de transplantes do hospital, que o embalou em uma toalha roxa como um bebê grotesco.
Depois de 30 horas de operação, o fígado estava devolvido ao corpo de Collison. Esse é sempre um momento tenso nesse tipo de cirurgia, porque muitas coisas podem dar errado. E, no caso de Collison, as coisas de fato começaram a rapidamente sair do controle.
O fígado sangrava copiosamente. E, enquanto a hemorragia se acalmava, a pressão sanguínea e a temperatura corporal despencaram, e o sangue dele ficou perigosamente ácido.
Drogas para corrigir um problema agravaram outros. Às 21h30 de quarta-feira, após 35 horas de cirurgia, Kato e seus colegas fizeram algo que nunca haviam tentado durante um procedimento "ex vivo": embora o trato digestivo de Collison não estivesse totalmente reconectado, eles suspenderam a cirurgia, colocaram uma atadura sobre a incisão, sem costurá-la, e o levaram para ser estabilizado numa UTI.
A manobra aparentemente desesperada funcionou. Na noite de quinta-feira, Collison estava pronto para o reinício da cirurgia. Kato trabalhou nele das 20h30 às 4h30 e concluiu todos os reparos necessários -após um total de 43 horas de cirurgia.
No sábado, Collison já estava consciente, respirando sem aparelhos e conversando. Inicialmente confuso, afirmou às enfermeiras que havia sofrido um acidente aéreo. "Ele está indo muito bem", disse Kato.
Mary Collison estava feliz. Mesmo que a cirurgia só garanta poucos anos adicionais de vida ao seu marido, já terá valido a pena, segundo ela.
Kato disse que não há garantias de que o tumor não voltará a aparecer, mas que Collison tem um prognóstico "bastante bom" e "poderá ter um longuíssimo tempo pela frente" caso o câncer permaneça controlado.


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