São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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Tropas americanas fazem vista grossa ao ópio afegão

Por ROD NORDLAND

CABUL, Afeganistão - O esforço para vencer os insurgentes em Marjah, antigo bastião do Taleban no sul do Afeganistão, deixou os comandantes americanos e da Otan na posição incomum de se declararem contrários à erradicação do ópio, o que os opõe a algumas autoridades afegãs que pressionam pela destruição da safra.
Do general Stanley McChrystal (comandante da Otan no Afeganistão) para baixo, a posição militar é clara: "As forças americanas não erradicam mais", explicou um oficial da aliança militar ocidental. O ópio é o principal meio de subsistência de 60% a 70% dos agricultores de Marjah, que foi tomada dos rebeldes em uma grande ofensiva no mês passado. Os fuzileiros navais americanos que ocupam a área receberam ordens para deixar em paz os campos de papoulas (flores com que se produz o ópio).
"Marjah é um caso especial hoje", disse o comandante Jeffrey Eggers, membro do Grupo de Assessoria Estratégica do general. "Nós não mexemos com o ganha-pão daqueles que estamos tentando conquistar."
As autoridades antidrogas da ONU concordam com os americanos, embora reconheçam o dilema. Imagens de soldados da Otan e outros aliados "caminhando ao lado de campos de papoulas não agradam ao público doméstico, mas a abordagem de adiar a erradicação neste caso particular é sensata", disse Jean-Luc Lemahieu, encarregado no Afeganistão do Departamento contra Drogas e Crimes da ONU.
Mas as autoridades afegãs estão divididas. Embora algumas apoiem a posição americana, outras, citando uma proibição constitucional ao cultivo de ópio, querem arrasar os campos antes da colheita, que já começou em partes da Província de Helmand (onde fica Marjah).
"Como podemos permitir que o mundo veja as forças encarregadas de Marjah ao lado de campos cheios de papoula, que de um modo ou de outro será colhida e transformada em um veneno que mata pessoas em todo o mundo?", disse Zulmai Afzali, porta-voz do Ministério Antinarcóticos do Afeganistão.
"É o Taleban que lucra com o ópio, então você está deixando que seu inimigo seja financiado por isto, para que ele possa dar a volta e matá-lo", ele acrescentou, referindo-se a como o Taleban pressiona os agricultores por dinheiro para financiar suas operações.
O argumento poderá surpreender alguns como uma inversão perturbadora; nos anos seguintes à invasão de 2001, as tensões cresceram enquanto algumas autoridades afegãs resistiam com veemência à pressão americana para conter a produção de ópio.
Embora a posição oficial do governo dos EUA ainda seja apoiar a erradicação das plantações em geral, algumas autoridades civis americanas dizem que o debate interno sobre Marjah está longe de terminar.
No centro da discussão com as autoridades afegãs há uma questão importante de causa e efeito: a segurança deficiente em Marjah é o motivo pelo qual há tanto ópio, ou o ópio em abundância é o motivo de haver pouca segurança?
"Em todas as Províncias do Afeganistão onde há plantações de ópio temos insegurança como consequência", disse Afzali.
As autoridades militares americanas e antidrogas da ONU veem a coisa de outro modo. O cultivo de papoula foi amplamente eliminado em 20 Províncias, onde a segurança melhorou, e nas sete Províncias menos seguras a papoula ainda é cultivada.
"Nada pode competir com o ópio em um ambiente inseguro", disse Lemahieu. "Um ambiente seguro é precondição para a governança e uma solução em longo prazo."
A Força Internacional de Assistência à Segurança, que o general McChrystal comanda, não realiza mais os programas de erradicação, mas sua posição oficial é de apoio às iniciativas do governo afegão para erradicar e proteção às autoridades da Província responsáveis por executar o programa de erradicação.
O governador de Helmand, Gulab Mangal, que é ardentemente contra o ópio, tem um histórico de sucesso: reduziu o cultivo em 33% em 2009. Mas ele também deseja fazer uma exceção para a atual colheita em Marjah -por enquanto.
"Fui informado por meus superiores de que neste ano não vão erradicar lá porque as pessoas sofreram muitas dificuldades em consequência dos combates", disse Mangal. "Poderemos fazer isso no ano que vem."
Os agricultores propriamente não enriquecem com a colheita. Hajji Said Gul, 51, agricultor que tem 4 hectares de papoulas em Marjah, disse que, depois de pagar os empréstimos para comprar as sementes e dar ao Taleban 10% de seus lucros, ele ganhou US$ 1.250 por hectare a cada colheita. Ele não está preocupado com a erradicação.
"O Taleban nos prometeu que vai continuar combatendo o governo e as forças estrangeiras até nós terminarmos a colheita", disse. "Todas as minhas esperanças estão ligadas à safra de papoula."


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