São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Disney aposta alto em Rapunzel

BROOKS BARNES
ENSAIO

LOS ANGELES - A princesa Rapunzel corre por florestas místicas, nada em rios, se arrasta por túneis secretos e ainda precisa se desdobrar para se manter no mesmo ritmo que seu namorado, um pilantra chamado Flynn Ryder. É ousada essa adolescente, mas todo esse cabelo é muita coisa para uma só cabecinha de animação carregar.
Na vida real, o peso que "Enrolados" carrega em relação aos estúdios Disney é igualmente exaustivo. O 50° filme de animação criado pelo estúdio que inventou esse meio -mas que tem tido dificuldade para encontrar sua voz- vem para responder a uma pergunta etérea, mas importante: qual é exatamente a identidade da animação da Disney hoje em dia?
Os desenhos animados da Disney costumavam significar algo bem específico. Eles eram fantasias com jeito de pinturas, geralmente centrados em um jovem herói num conflito geracional, dos quais gotejavam sofisticados efeitos visuais -pense na rodopiante cena do baile em "A Bela e a Fera"- e uma música incrivelmente fácil de lembrar. Vilãs roubavam a cena (Cruela Cruel; Úrsula, a Bruxa do Mar), mas a ajuda vinha de inesperados provedores (os anões; Rafiki de "O Rei Leão"), em meio a músicas, lições de vida e passagens cômicas.
Mas o estúdio se aferrou demais a fórmulas do passado -especialmente a animação à mão-, e, de repente, um aborrecido desfile de lançamentos ("Planeta do Tesouro", "Irmão Urso", "Nem Que a Vaca Tussa", "O Galinho Chicken Little", "A Família do Futuro") fez a plateia sair correndo na direção das cintilantes imagens digitais criadas pela Pixar e pela DreamWorks Animation.
As pessoas passaram a notar que um filme da Pixar trazia toques cinematográficos adultos ("travellings" espertos, sutis mudanças na textura da luz), tramas inusitadas -uma fábrica de gritos, um velho num voo de balão- e sequências de perseguição editadas com rapidez, normalmente na parte final.
A DreamWorks se destaca por fazer travessuras sarcásticas, repletas de referências à cultura pop e de participações vocais de grandes astros. Uma animação da Disney? Na maior parte das vezes, uma mediocridade à deriva.
"Não há uma só sensibilidade guiando, e isso é um problema enorme nesse tipo de empreitada cinematográfica", disse Neal Gabler, autor de "Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana". "Para fazer arte, é preciso ter uma sensibilidade."
"Enrolados", que estreou dia 24 nos EUA e chega em janeiro ao Brasil, pode representar uma guinada. Pela primeira vez desde 2006, quando assumiram o estúdio Walt Disney Animation como parte do pacote de US$ 7,4 bilhões da compra da Pixar pela Disney, John Lasseter e Ed Catmull tiveram tempo suficiente para criar uma obra-prima. Lasseter passou três anos trabalhando em "Enrolados" -o mesmo que ele costuma gastar nos sucessos da Pixar.
"Acho que chegamos lá", disse Lasseter sobre a guinada criativa da Disney. "Este filme é tão bom quanto um filme da Pixar, mas é um Disney clássico, e adoro isso: coração, humor, beleza, música, encantamento, a história de amor.
Algumas pessoas acham que as plateias de hoje cresceram além da clássica narrativa da Disney, se tornaram cínicas demais para ela. Nunca acreditarei nisso."
Quem espera uma recontagem solene da história clássica de Rapunzel vai se frustrar. O núcleo do conto de fadas está lá -"Rapunzel, Rapunzel, jogue suas tranças"-, mas a história foi muito ampliada.
A própria Rapunzel tem uma graça e uma fluidez -o que artistas da velha guarda da Disney chamam de "as poses douradas"- que não são típicas da animação por computador, a qual tem dificuldades com curvas, mas são a marca registrada das princesas da Disney (para obter essa aparência, os artistas da Disney desenham à mão sobre uma tela computadorizada).
Mas "Enrolados" representa também um rompimento. Há elementos modernos na trama, avanços tecnológicos inéditos e muitos toques de Lasseter.
Os diretores disseram que as perseguições a cavalo deveriam se parecer com as sequências de alta velocidade nos filmes da série "Bourne". A princesa, com voz da cantora Mandy Moore, é durona: bate com uma frigideira em Flynn quando ele escala sua torre e usa o cabelo como chicote. Que o protagonista masculino seja um intratável ladrão é uma notável inversão para um filme da Disney, e Flynn (com a voz de Zachary Levi, da série de TV "Chuck") é eloquente de um jeito que muitos associam à DreamWorks.
"Queremos fazer um filme da Disney para as plateias de hoje, mas não queremos simplesmente copiar o passado", disse Lasseter. "Queremos copiar a essência."


Texto Anterior: Um ator revela a cena artística de Nova York
Próximo Texto: Viver - A era da informação
Estudiosos humanistas, através do digital, iluminam a vida

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.