São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lente

Visões de um mundo pós-guerra

Seja na África, no Oriente Médio ou em qualquer outra região assolada por guerras, os ódios costumam ser profundos. Quando a carnificina termina, enquanto os conquistadores distribuem suas medalhas, os derrotados habitualmente se ressentem, alimentando ciclos de vinganças e retaliações que podem durar gerações.
No entanto, em alguns lugares sangrentos, ainda que de forma tímida, as pessoas começam a questionar o próprio fundamento da guerra -"nós contra eles"- e vêem, como disse certa vez o presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, "sua brutalidade, sua futilidade, sua estupidez".
Poucos conflitos foram tão brutais, fúteis e estúpidos quanto a Primeira Guerra Mundial. Mas na localidade belga de Poperinge foi erguido um tipo diferente de memorial. Ao lado de um mastro simples, há uma placa com um verso de Rudyard Kipling: "Eu não conseguia olhar para a morte, que era conhecida, os homens me levaram até ele, vendado e solitário".
O marco homenageia centenas de homens que desertaram daquela chacina insensata e acabaram atados a mastros para serem executados por seus concidadãos. Como escreveu John Tagliabue no "New York Times", o monumento, que honra desertores de todas as nações, pretende retratar "a desumanidade da guerra em vez de vencedores e vencidos".
Outro amargo conflito estourou em 1950 na península da Coréia, um confronto entre o sul pró-americano e o norte pró-soviético. Mas em muitas aldeias, vizinhos travavam violentas cruzadas ideológicas por conta própria. Em Kurim, no sul, cerca de 300 pessoas foram mortas por seus conterrâneos, e ódios arraigados fervilham desde então. Recentemente, porém, os moradores passaram a homenagear conjuntamente os mortos em ambos os lados e planejam construir um memorial.
"É hora de enterrar o passado e a sua vingança", disse Choi Jae-woo, 85, a Choe Sang-hun, do "New York Times". "Ambos os lados precisam perceber que somos todos vítimas da guerra. Precisamos perdoar e esquecer."
Israel travou e venceu muitas guerras desde seu nascimento, em 1947. Mas, conforme Ethan Bronner relatou no "New York Times", a nação "tendeu a minimizar o dano psicológico que pode resultar de ser um soldado em uma guerra".
Recentemente, um documentário animado chamado "Waltz with Bashir" ("Valsa com Bashir") tocou as platéias de Israel ao contar os traumas de um ex-soldado depois de testemunhar o massacre de palestinos por forças cristãs libanesas durante a invasão israelense do Líbano, em 1982.
O jornalista israelense Ron Ben-Yishai conversou com Bronner sobre algumas questões que o filme aborda. "Sabemos que não matamos [os palestinos], mas estamos realmente melhores que os europeus que ficaram à parte quando o Holocausto aconteceu?"
Outra abordagem tradicional para repudiar a guerra -o voto- continua tão eloqüente como sempre. Os eleitores americanos recompensaram Barack Obama por defender o fim do envolvimento dos Estados Unidos no Iraque. E, na Caxemira, os muçulmanos manifestaram seu ressentimento contra o domínio indiano com um comparecimento recorde nas eleições deste mês.
Somini Sengupta escreveu no "New York Times" que muitos continuam simpáticos à causa militante, mas temem cada vez mais a vida numa zona de guerra. O carpinteiro Manzoor Ahmad Reshi, que já foi baleado pelo Exército indiano e por rebeldes islâmicos, disse a Sengupta que a perspectiva de mais confrontos lhe dá medo.
"O problema não vai desaparecer", disse ele. "A não ser que haja uma solução política, ele vai diminuir; não vai desaparecer."


Texto Anterior: Um negócio que dependia de subornos
Próximo Texto: O governo Obama: A promessa de Obama: US$ 10 bilhões à pré-escola
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.