São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Inteligência
Ori e Rom Brafman

O valor da dissidência saudável

Um projeto de lei que tramita no Parlamento russo com o apoio do Kremlin tem provocado espanto mundo afora. Ele amplia a definição jurídica de traição, de modo a proibir comunicações secretas com organizações não-governamentais.
Os políticos russos dizem estar preenchendo uma lacuna técnica, mas ativistas dos direitos humanos temem que o projeto marque uma volta a velhos costumes -que o Kremlin torne a pressionar aqueles que discordam abertamente das suas políticas.
Mas não se trata só de uma preocupação com os direitos humanos. Oprimir a dissidência -seja no governo ou nos negócios- provoca graves conseqüências para a própria organização. Basta que os russos vejam a política do governo Bush, na linha "ou você está conosco, ou está contra nós".
Há uma tendência natural a evitar quem discorda de nós. Mas essa inclinação pode facilmente levar ao pensamento de manada, fenômeno pelo qual os indivíduos seguem o grupo mesmo em decisões radicais ou irracionais. Quando todos começam a concordar e não há vozes contraditórias, até as idéias mais infelizes fincam raízes.
A dissidência oferece uma voz crítica -e uma tensão crítica- que ajuda a preservar um equilíbrio saudável. Mas é mais do que isso. Uma organização que aceite a dissidência passa uma mensagem forte a todos os seus membros: não há problema em introduzir novas idéias, questionar as velhas e ter voz ativa no andamento das coisas. Em suma: incentivar a dissidência é dar poder a pessoas que do contrário poderiam hesitar em se abrir.
Enquanto a Rússia está reprimindo visões contrárias, o presidente eleito Barack Obama aparentemente está lançando uma nova era de aceitação da dissidência. Espera-se que tal abordagem ajude a reparar as relações internacionais dos EUA.
Usando o exemplo histórico de Lincoln, Obama encheu seu gabinete com pessoas voluntariosas, muitas das quais discordam abertamente entre si e também do novo chefe.
Ao descrever o tipo de pessoa que escolheria para servir em seu governo, Obama comentou: "Quero gente mais inteligente do que eu em seus campos, e quero que me digam ‘não’. Quero que me digam quando discordarem. Não preciso de gente ‘sim, senhor’ ao meu redor."
Num sinal dos tempos, até o assessor especial de Bush, Karl Rove, recentemente aderiu ao coro dos que elogiam os benefícios da dissidência. Questionado sobre que conselhos daria ao novo presidente, Rove -famoso por impor uma "disciplina da mensagem" na Casa Branca de Bush- sugeriu que "o debate vigoroso [...], a fala simples, a conversa direta e a dissidência devem ser encorajados".
Embora alguns líderes de fato estimulem consistentemente aqueles ao seu redor a questionarem decisões e políticas, eles são exceções à regra. O mais freqüente é que executivos-chefes, tanto na política quanto nos negócios, adotem a abordagem do Kremlin.
Por mais que os países democráticos gostem de celebrar a dissidência, ela pode ser assustadora. A dissidência desafia o status quo, aumentando o nível de incerteza e caos. A redução da estabilidade é o preço que se paga por idéias potencialmente boas. Por isso, a dissidência só pode realmente florescer quando um gestor confia totalmente no tecido da organização, nas pessoas e, acima de tudo, em si mesmo.


Ori Brafman e Rom Brafman são co-autores de "Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior". Ori é conferencista internacional em administração; Rom é psicólogo e dá palestras sobre dinâmicas interpessoais. Envie seu comentário a brafmans@nytimes.com.


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