São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Tendências mundiais

Russos ignoram suspeita de fraude eleitoral na região

Por CLIFFORD J. LEVY

JODINO, Belarus - O monitor iniciou seu trabalho do dia de votação pela Seção Eleitoral n° 7. "Problemas? Violações?", questionou ele aos mesários, olhando casualmente ao redor. Eles disseram que não, e Kholnazar Makhmadaliev continuou passando de seção em seção ("E aí? Tudo certo por aqui?"), apertando muitas mãos, distribuindo elogios e tomando conhaque com o prefeito.
Assim transcorreu a participação de Makhmadaliev em uma grande missão de observação promovida pelo Kremlin, que concluiu que Belarus, ex-república soviética e atual aliada da Rússia, havia conduzido eleições parlamentares "livres, abertas e democráticas", no final de setembro.
A versão dos monitores do Kremlin, porém, se choca com a descrição feita por uma organização européia de segurança, cujos monitores qualificaram a eleição como uma farsa manchada por numerosas deficiências, entre as quais especialmente a fraude nos votos.
Os monitores despachados pelo Kremlin não relataram nada disso. Nem manifestaram preocupação por a agência de segurança de Belarus, ainda chamada KGB, ter pressionado duramente a oposição, prendido vários dos seus líderes ao longo do último ano e impedido suas campanhas. Ou então que a TV estatal tenha repetidamente chamado dirigentes oposicionistas de traidores. Nem, aliás, com os resultados finais: uma avassaladora vitória, em todas as 110 vagas do Parlamento, de seguidores do presidente Aleksandr Lukachenko, habitualmente apontado como o último ditador da Europa.
Sob o comando do premiê russo Vladimir Putin, o Kremlin busca fortalecer governos autoritários da região que lhe sejam leais, e essas equipes de monitoramento eleitoral -cerca de 400 integrantes só em Belarus- são uma das mais recentes inovações. Elas demonstram até onde o Kremlin vai para criar a ilusão de liberdade política na Rússia e em outras ex-repúblicas soviéticas, embora suas instituições democráticas tenham sido esvaziadas.
Os monitores também servem como contrapeso aos observadores da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, que denunciam essas mesmas eleições.
"Esses monitores realmente ilustram o que está acontecendo no espaço pós-soviético", disse Andrei Sannikov, organizador do movimento oposicionista Belarus Européia. "Os monitores dão suas bênçãos a tudo -na Rússia, em Belarus, no Cazaquistão, lugares onde sabemos que não há eleições reais. Eles querem algum tipo de legitimidade, especialmente aos olhos do Ocidente."
Ao apoiar esses líderes, a Rússia também obtém benefícios econômicos e mantém sua esfera regional de influência. Tem sido assim mesmo quando ela busca desestabilizar os vizinhos pró-ocidentais, mais notavelmente ao atacar a Geórgia, em agosto, em reação ao que disse ser uma agressão georgiana. Belarus, com seus 10 milhões de habitantes, é, no antigo bloco soviético, a única nação a oeste da Rússia que mantém relações calorosas com o Kremlin.
Os Estados Unidos e seus aliados da Otan (aliança militar ocidental) também buscam boas relações com muitos dos governos autoritários da região, para contrabalançar a influência do Kremlin, para manter bases militares e para ampliar oportunidades de negócios. Mesmo assim, em geral o Ocidente evita dar aval a resultados eleitorais nesses países.
Altos-funcionários russos apontam os monitores eleitorais ocidentais como uma ferramenta do Ocidente para caluniar a Rússia e outras ex-repúblicas soviéticas.
Vladimir Pekhtin, vice-presidente do Parlamento russo e supervisor dos monitores do Kremlin em Belarus, disse que todas as eleições recentes na ex-União Soviética foram limpas e democráticas. Ele incluiu países como o Uzbequistão, cujo presidente governa desde o fim do comunismo e foi reeleito no ano passado.
Questionado sobre as conclusões dos monitores ocidentais em Belarus, Pekhtin disse: "Eles simplesmente criaram, inventaram, para tentar mostrar que havia algo de podre".
Igor Iurgens, consultor do presidente russo Dmitri Medvedev, que o colocou à frente de um grupo de estudos com inclinações liberais, descreveu as missões do Kremlin como sendo praticamente apenas uma forma de bajular os vizinhos.
"É um pensamento bem desajeitado esse de que o exterior próximo só pode ser consolidado por meio disso, sendo educado com as autoridades em exercício", disse ele.
"Eles (o Kremlin) consideram isso um esforço diplomático -ser bom para o seu aliado", afirmou Iurgens. "Não bote o dedo no olho dele quando todo o Ocidente já está botando."


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