São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Zimbabuanos sobrevivem de restos de comida

Por CELIA W. DUGGER

NZVERE, Zimbábue - Ao lado de uma estrada em Matabeleland, crianças descalças enchem seus bolsos com grãos de milho caídos de um caminhão, como se os grãos, que em tempos normais serviriam apenas aos animais, fossem moedas de ouro.
Nas ruas de terra de Chitungwiza, os Mugarwe, uma família que ganha a vida vendendo lenha, assam um pão que será sua refeição do dia: 11 fatias para seis pessoas. Todos devoram duas fatias, menos o menino menor, de dois anos, que ganha só uma.
Nas fazendas da região de Mashonaland, que no passado ajudou a alimentar todo o sul da África, camponeses miseráveis arrancam as cascas de grilos e besouros ainda vivos e jogam o que resta numa panela. "Se você consegue insetos, tem uma refeição", disse Standford Nhira, camponês magérrimo cujas costelas aparecem sob a pele. Suas meias caem soltas em torno dos tornozelos, que parecem gravetos.
Os semimortos de fome povoam a paisagem antes fértil do Zimbábue, onde uma pesquisa recente das Nações Unidas constatou que 7 em cada 10 pessoas entrevistadas tinham comido nada ou apenas uma refeição no dia anterior.
Dominados há quase três décadas por seu presidente autoritário, Robert Mugabe, os zimbabuanos estão passando pelo sétimo ano consecutivo de fome generalizada. Esta crise, em grande medida provocada pelo homem, ocasionalmente agravada por estiagens ou chuvas erráticas, foi desencadeada por políticas agrícolas desastrosas, colapso econômico generalizado e um partido governista que usa as terras agrícolas e os alimentos como armas em sua busca implacável -e até agora bem-sucedida- de agarrar-se ao poder.
Mas este ano está sendo diferente. Este ano a fome está muito pior.
A pesquisa feita em outubro pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas constatou uma deterioração chocante no último ano: a parcela de pessoas que não tinham comido nada no dia anterior subira de zero para 12%, enquanto a de pessoas que tinham comido apenas uma refeição crescera de 13% no ano passado para 60%.
Durante quase três meses, entre junho e agosto, Mugabe proibiu as organizações humanitárias internacionais de atuar no país, privando mais de 1 milhão de pessoas de alimentos e assistência básica, depois de o Zimbábue já ter tido uma das piores colheitas de sua história.
Mugabe defendeu a suspensão, argumentando que alguns grupos humanitários ocidentais apoiavam seu rival político, Morgan Tsvangirai, que o derrotou nas urnas em março mas retirou-se da disputa antes de um segundo turno em 27 de junho. Mas analistas e grupos cívicos disseram que o motivo real da iniciativa de Mugabe foi remover de áreas rurais testemunhas à repressão militar que moveu contra partidários da oposição e à sua determinação de matar os oposicionistas de fome.
Nenhuma ajuda alimentar chegou ao povoado de Jirira, em Mashonaland, perto da capital, Harare. Os moradores se levantam antes do nascer do sol todas as manhãs e saem de seus barracos para encher baldes de metal dos pequenos e malcheirosos frutos conhecidos como "hacha". A polpa doce e fibrosa da fruta tornou-se presença constante na alimentação dos camponeses. As frutas são infestadas de pequenos vermes marrons. Apesar disso, as mulheres as descascam, esmagam e deixam de molho na água.
As hachas vêm sendo a principal fonte de subsistência dos camponeses, mas a estação da fruta deve terminar dentro em pouco. E o que será feito depois disso? Glora Mapisa, mãe de uma menina de 1 ano, disse: "Só Deus sabe o que vai acontecer".


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