São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Ciência & Tecnologia

Livros trilham segredos da era nuclear

Por WILLIAM J. BROAD

Em 1945, depois da destruição atômica de duas cidades japonesas, o físico J. Robert Oppenheimer manifestou uma premonição sobre a difusão das armas nucleares: "Não são muito difíceis de fazer", disse ele a seus colegas do projeto Manhattan, em Los Alamos, Novo México. "Elas serão universais se as pessoas quiserem que sejam."
Essa opinião, vinda de onde a própria bomba atômica nasceu, deu origem à teoria da inevitabilidade. Como as leis da física são universais, dizia a teoria, era só questão de tempo para que outras mentes brilhantes e outros Estados determinados entrassem para o clube. O corolário era de que tentar conter a proliferação seria difícil ou mesmo inútil.
Porém, seis décadas se passaram, e o clube nuclear cresceu para apenas nove membros. Por que uma difusão tão lenta? Pode-se reduzi-la ainda mais? Poderá haver um futuro atômico mais luminoso do que Oppenheimer previu?
Dois novos livros de três especialistas alimentam o otimismo. Os autores esmagam mitos, jogam luz sobre as dinâmicas da proliferação nuclear e sugerem novas formas de reduzir a ameaça. Nenhum deles confirma a opinião de Oppenheimer de que é fácil fazer as bombas. E documentam caminhos nacionais para adquirir armas nucleares que foram difíceis e dependeram da disposição de espiões e políticos para divulgarem segredos de Estado.
Thomas Reed, veterano do laboratório de armas Livermore (Califórnia) e ex-secretário da Força Aérea dos EUA, e Danny Stillman, ex-diretor de inteligência de Los Alamos, se juntaram em "The Nuclear Express: A Political History of the Bomb and Its Proliferation" ("O expresso nuclear: uma história política da bomba e de sua proliferação") para demonstrar a importância de espiões, de cientistas divididos e, o mais importante, dos interesses sutis e nem tão sutis dos Estados nucleares.
"Desde o nascimento da era nuclear, nenhuma nação desenvolveu uma arma atômica por conta própria, embora muitos declarem o contrário", escreveram.
Entre outras coisas, o livro detalha como a ajuda secreta da França e da China ajudou a gerar mais cinco Estados nucleares. O livro diz, por exemplo, que a China abriu o seu enorme campo de testes no deserto para o Paquistão, permitindo que seu cliente testasse ali a sua primeira arma nuclear, em 26 de maio de 1990.
Outra revelação do livro é de que a China "secretamente ampliou a hospitalidade do campo de testes nucleares de Lop Nur aos franceses".
Todos os caminhos parecem derivar dos Estados Unidos, direta ou indiretamente. Um deles começou com espiões russos que penetraram fundo no Projeto Manhattan. Stálin estava tão enamorado com a pilhagem de inteligência, dizem Reed e Stillman, que sua primeira bomba foi uma réplica exata da arma que os EUA haviam lançado em Nagasaki.
Moscou compartilhou seus furtos nucleares com o líder chinês Mao Tse-tung. O livro diz que Klaus Fuchs, espião soviético no Projeto Manhattan, preso e afinal libertado em 1959, fez o mesmo. Ao ser solto, dizem os autores, Fuchs passou ao mentor do programa nuclear maoísta um manual detalhado da bomba de Nagasaki. Meia década depois, a China surpreendeu o mundo com a sua primeira detonação.
Alarmantemente, os autores dizem que uma das bombas da China foi criada com um "design para exportação", pelo qual praticamente "qualquer um poderia construí-la". O esboço para esse plano simples teria viajado para o Paquistão, a Líbia e o Irã -algo que Teerã nega repetidamente.
A ajuda chinesa acabou propiciando também o mercado negro global abastecido durante anos pelo cientista nuclear paquistanês A.Q. Khan.
Uma trilha menor envolve a França, que teria, segundo o livro, recrutado veteranos do Projeto Manhattan e partilhado detalhes do seu programa nuclear com Israel.
"The Bomb: A New History" ("A bomba: uma nova história"), que sai em janeiro, avalia de forma mais ampla a diplomacia e as restrições à proliferação. Seu autor é Stephen Younger, ex-chefe de armas nucleares de Los Alamos e ex-diretor da Agência de Redução de Ameaças à Defesa, do Pentágono.
Os dois livros usam a história atômica para sugerir uma mistura de novas e velhas fórmulas contra a proliferação. Ambos consideram que as restrições do passado estão frágeis e que a tarefa é urgente. Younger lembra que durante décadas as restrições políticas e os tratados globais funcionaram contra a proliferação nuclear, assim como as garantias dos EUA a seus aliados.
"É um tributo à diplomacia norte-americana que tantos países que poderiam ter se tornado nucleares tenham se convencido a permanecer sob o guarda-chuva atômico dos EUA", escreve.
E ele enfatiza a importância de incentivos políticos e de punições para conter e talvez reverter a difusão das armas atômicas. O Irã, diz ele, não está fadado a virar potência nuclear. "Suécia, Suíça, Argentina e Brasil flertaram com programas nucleares e todos decidiram abandoná-los", afirma Younger. "A proliferação nuclear não é unidirecional -sob as condições e incentivos corretos, é possível que uma nação abra mão das suas aspirações nucleares."


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