São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um sonho americano vendido a preço irreal

Por RALPH BLUMENTHAL

Se alguém parecia encarnar o sonho americano, esse alguém era Simon Nget. Ele chegou aos EUA em 1981, aos 18 anos de idade e com pouca instrução, como refugiado chinês do Camboja, onde dizia que familiares seus tinham morrido de fome sob o domínio do Khmer Vermelho. Nget aprendeu o alfabeto no colégio secundário em Nova York.
Mas ele se formou e foi para a faculdade, embalando pedidos de comida chinesa para entrega, trabalhando como garçom e fazendo faxina em escritórios até economizar o suficiente para se casar e comprar um café. Depois disso, abriu um restaurante vietnamita na Broadway. Depois um segundo restaurante em Manhattan e em seguida um terceiro. Os três rendem um total de US$ 7 milhões por ano.
"Venho para este país e o que é faço é trabalhar, trabalhar duro, aprender duro", disse ele, depondo num julgamento num tribunal federal. "Poupar dinheiro e trabalhar duro, isso é muito importante."
Importante até demais, possivelmente, se as acusações que lhe são feitas forem comprovadas. Em 3 de dezembro, Nget, 45, e sua mulher, Michelle, 51, mãe de seus dois filhos, foram presos por 242 acusações criminais estaduais cada de enganar os entregadores de comida de seus restaurantes Saigon Grill, deixando de lhes pagar milhões de dólares em salários mínimos, falsificar registros comerciais, aceitar propinas e fraudar o sistema estadual de seguro-desemprego.
O casal, que se declarou inocente das acusações, foi solto sob fiança e continua a operar seus dois restaurantes remanescentes.
Num processo federal separado, o juiz Michael Dolinger tomou decisão contrária aos Nget em outubro. Considerou "inacreditáveis" e "manifestamente falsas" as declarações deles sobre suas práticas comerciais e ordenou que pagassem US$ 4,6 milhões em salários atrasados e indenizações a 36 entregadores, os pilares de seu negócio.
Os Nget não responderam a repetidas mensagens telefônicas da reportagem.
As transcrições do julgamento federal e dos depoimentos feitos em juízo pelos Nget e seus funcionários demitidos resumem uma narrativa difícil, uma história de imigrantes que vitimaram pessoas muito semelhantes ao que eles próprios foram no passado.
"Eu chego aqui sem ter nada, sabe", disse Nget ao juiz Dolinger. "Tenho uma família que deveria ter sido morta no Camboja, mas sobrevivemos e conseguimos uma vida nos EUA, como no céu", ele depôs. "Amamos nossa vida."
Evidências sugerem que seu sucesso foi erguido às custas pesadas e ilegais dos entregadores, em sua maioria imigrantes ilegais da província chinesa de Fujian que disseram receber entre US$ 500 e US$ 600 por mês por 70 a 80 horas de trabalho semanais, muitas vezes a menos de US$ 2 a hora. Eles geralmente ganhavam milhares de dólares em gorjetas, mas isso não aliviava os Nget de suas obrigações legais.
Yu Guan Ke, 36, que começou a trabalhar como entregador para os Nget em 1988 e se tornou o principal querelante contra eles, disse em entrevista que "no começo o chefe e a senhora chefe tratavam os empregados com justiça". Mas, à medida que os restaurantes começaram a dar dinheiro, disse Ke, as condições de trabalho foram piorando. Ele contou que foi assaltado duas vezes quando fazia entregas e que teve que pagar o prejuízo aos Nget.
Para criar registros salariais falsos, disseram os empregados em depoimento, os Nget lhes pagavam com cheques de valores mais altos, que eles tinham que descontar, devolvendo o dinheiro ao casal para então receberem seus salários reais, mais baixos. Quando os entregadores procuraram organizar-se em protesto, Nget terminou por demitir todos.
Simon Nget disse que pensou que pagava o salário mínimo. Mas admitiu não ter registros. "Sou um homem simples, um homem bom", disse ele ao tribunal.


Texto Anterior: Após anos de serviços, freiras perdem sua casa
Próximo Texto: Centro de meditação oferta paz interior para punks e afins
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.