São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A negação devasta marcas

Por PETER S. GOODMAN

Quem acha que toda publicidade é boa jamais previu a onda de catástrofe que assolou três empresas de primeira grandeza ao longo do último ano.
A montadora Toyota, a gigante da energia BP e um ícone de Wall Street, o Goldman Sachs, puseram a perder algumas das mais preciosas reputações da Terra.
"Foram verdadeiras implosões de reputação", disse Howard Rubinstein, um dos luminares das relações públicas. "Nos três casos, as empresas se viram sob ataque por causa das próprias características que eram centrais para as suas identidades corporativas e marcas globais fortes."
Para o setor de gerenciamento de crises, as calamidades oferecem estudos de caso a respeito das ciladas a evitar quando um desastre chega.
Conforme a sabedoria convencional, as empresas pioraram seus problemas ao descumprir o protocolo: quando a notícia é ruim, divulgue-a imediatamente, sob pena de cair na espiral mortal da perda de credibilidade.
Na opinião de muita gente paga para retirar corporações de situações ruins, a Toyota, a BP e o Goldman exacerbaram seus problemas ao se negarem a confessar imediatamente, pondo a culpa em terceiros ou assumindo posturas de contraposição à opinião pública, ao governo e à imprensa.
"Empresas que tipicamente lidam bem com as crises -dessas você nunca ouve falar", diz James Donnelly, vice-presidente sênior de gerenciamento de crises da Ketchum, um colosso no campo das relações públicas.
Mas o estrategista de comunicações Eric Dezenhall argumenta que as estratégias-padrão são inúteis quando os fatos são suficientemente desagradáveis. (Ele chegou a representar Michael Jackson após as acusações de molestar menores sexualmente.)
Quando os fatos são terríveis, argumenta ele, o melhor conserto em termos de relações públicas pode ser absorver o golpe e voltar ao trabalho. "Duas coisas às quais é muito difícil sobreviver são hipocrisia e ridículo", diz Dezenhall. "O objetivo não é fazer com que as pessoas não odeiem [as empresas]. É fazer com que odeiem menos."

Evitar e negar
Especialistas em gerenciamento de crises concordam que as três empresas cometeram erros graves. A BP lidera a lista.
"Foi uma das piores abordagens de RP que vi nos meus 56 anos de atividade", diz Rubinstein. "Eles tentaram ser opacos. Deram todas as desculpas do manual. Logo de cara deveriam ter aceitado a responsabilidade e reconhecido o desastre. Eles acharam que poderiam, distorcendo, se livrar da catástrofe."
Não foi bem assim, protesta a empresa petrolífera. "Desde o começo da crise, a BP deu um passo à frente e aceitou a responsabilidade", diz Andrew Gowers, que supervisiona as comunicações da BP.
Entre os tropeços da companhia, estrategistas citam seu esforço para pôr a culpa em empresas terceirizadas. Isso passou uma impressão de que a BP estava mais preocupada com a responsabilidade jurídica do que com as famílias dos 11 trabalhadores que morreram na explosão de sua plataforma, e com as comunidades que tiravam seu sustento do golfo do México. (A BP não quis comentar essas afirmações.)
Muitos analistas atribuem a culpa ao ex-executivo-chefe da BP, Tony Hayward. Ao pedir desculpas aos afetados, ele acrescentou: "Quero minha vida de volta". Acabou sendo obrigado a pedir demissão.
A empresa estava recebendo conselhos contraditórios. Em tempos de crise, os estrategistas amolecem a opinião pública com expressões de preocupação, enquanto os advogados advertem que a contrição pode ser interpretada como admissão de culpa em processos judiciais potencialmente custosos.
Só que, afinal, "até que o óleo parasse [de jorrar], não havia nada que pudesse ser feito para tornar a coisa melhor, mas havia muito que poderia ser dito para piorá-la", diz Keith Michael Hearit, professor de comunicação da Universidade do Oeste de Michigan, em Kalamazoo.

Boa vontade perdida
A Toyota estava em melhor posição, segundo estrategistas. Ela gozava de imensa boa vontade. Era o maior fabricante mundial de automóveis, fazendo carros de bom desempenho e rendimento de combustível. Tinha também o estereótipo cultural da corporação japonesa disciplinada, rigorosa no respeito aos padrões.
Estrategistas acham incrível que uma empresa com a reputação da Toyota tenha ignorado relatos de problemas com aceleradores, que causavam acidentes fatais.
A fábrica, então, relutantemente confirmou os indícios, fazendo com que a notícia se tornasse mais danosa do que já era.
"A Toyota estragou tudo", diz Brad Burns, que comandava as comunicações na WorldCom, gigante arruinada por um escândalo contábil em 2001. "Em vez de colocar a segurança acima dos lucros, eles parecem ter dado ouvidos aos advogados especializados na responsabilidade civil dos produtos, e se perderam."
Coordenadores de comunicações da Toyota dizem que a empresa nunca se esquivou dos problemas. Como a BP, a Toyota tinha um executivo-chefe não americano. Ao pedir desculpas ao Congresso dos EUA, Akio Toyoda falou um inglês com sotaque carregado, e lia com hesitação as suas anotações. "Eu disse na hora: 'Ah, meu Deus, ele não está se comunicando conosco'", recorda Rubinstein.
Mas o desempenho de Toyoda no Congresso pode ter também reforçado outro estereótipo associado aos japoneses: a aversão à vergonha.
Um ponto forte dos humanos é a capacidade de aprender com os erros. Mas as burocracias corporativas colocam a busca do lucro acima dos sentimentos. "Você não pode botar uma corporação na cadeia", diz Hearit.
O gerenciamento de crises é feito com o estresse e a falta de sono sobrevindo à habitual politicagem e às disputas de facções que afligem qualquer grande organização. "A realidade é um caos absoluto", diz Dezenhall. "Uma corporação em crise não é uma corporação. É uma coleção de indivíduos em pânico, motivados pela autopreservação."

Wall Street obscura
Se houve pânico e caos dentro do Goldman Sachs, a companhia escondeu.
Mas, ao optar por revelar pouco e montar uma defesa agressiva, a empresa parece ter se tornado um símbolo da mentira em Wall Street. Em julho, o Goldman aceitou pagar US$ 550 milhões num acordo judicial relacionado a supostas fraudes com títulos federais.
Diante da perda de empregos, casas e poupanças, Wall Street estava fadada a sofrer duros questionamentos sobre seu papel no colapso financeiro. E o Goldman enfrentava uma complicação a mais, pelo fato de seu negócio ser tão obscuro. Para complicar mais os seus problemas, o executivo-chefe Lloyd Blankfein declarou a um repórter que ser banqueiro, na sua opinião, era um "trabalho divino".
Analistas dizem que os problemas de RP do Goldman são agravados por uma realidade maior do que qualquer instituição individual. "É o problema de ganhar quantias obscenas de dinheiro de maneiras que ninguém entende, no meio de um derretimento econômico", sugere Dezenhall.
"Não acho que haja uma maneira de fazer as pessoas amarem um banco que ganha dinheiro no meio de uma recessão."

Volta ao básico
"Essas empresas cometeram os mesmos erros", diz Rubinstein. "Violaram a regra cardinal do gerenciamento de crises: elas não pareceram ter um plano de crise à mão. Elas buscaram minimizar a extensão dos seus problemas e jamais pareceram demonstrar um entendimento quanto à situação em que se encontravam."
Mas talvez tenham, sim, entendido, e não houvesse nada a fazer senão voltar ao fundamental: produzir derivados de petróleo, fabricar carros, ganhar dinheiro. "É preciso ter uma expectativa realista sobre o que as comunicações podem conseguir", diz Dezenhall.
"Ninguém nunca diz: 'Ah, que comunicação maravilhosa; agora a gente se sente bem'."


Texto Anterior: Tendências Mundiais
Libertado, réu injustiçado não quer mais se calar

Próximo Texto: Índia usa incentivos para conter explosão demográfica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.