São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2010

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Regra no 1: ganhe dinheiro evitando regras

PETER S. GOODMAN
ENSAIO

Desde os primeiros dias do capitalismo, aqueles que têm habilidade para ganhar dinheiro se mostraram criativos para escapar dos reguladores.
Na Idade Média, quando as leis da usura proibiam os credores de cobrar juros, os negociantes astutos emprestavam em uma moeda e recebiam o pagamento em outra, lucrando sem incorrer na ira da Igreja Católica.
Muita coisa aconteceu nos séculos seguintes, mas a história continua a mesma: repetidamente, a inovação financeira encontra um caminho lucrativo que contorna os regulamentos.
Enquanto o Congresso e o governo dos EUA entram agora na etapa decisiva de uma iniciativa para moderar os perigos que produziram a pior crise financeira desde a Depressão, especialistas acreditam que essa narrativa histórica continuará válida. De qualquer modo, os ágeis avanços na tecnologia tornaram mais difícil para os fiscais simplesmente reconhecer os riscos que se acumulam nos mercados, quanto mais produzir uma ação eficaz.
"A indústria financeira sempre encontra maneiras de ficar à frente dos reguladores", diz Kenneth S. Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e hoje professor na Universidade Harvard. "Seja qual for a lei que eles inventem hoje, se não for atualizada daqui a cerca de 15 anos será completamente ineficaz e irrelevante."
Não que os esforços reguladores sejam inúteis. A história das finanças é cheia de crises que produzem medidas regulatórias, eliminando problemas antes que uma nova variedade apareça.
A era bancária irresponsável do século 19, quando os bancos de diversos Estados dos EUA emitiam sua própria moeda (às vezes sem valor), levou à criação de um supervisor dos bancos nacionais. Quando oportunistas e charlatães vendiam ações para o público sem revelar a extensão de suas dívidas, culminando com a quebra da Bolsa em 1929, o governo dos EUA criou a Comissão de Valores Mobiliários (SEC na sigla em inglês).
As reformas do "New Deal" infundiram no setor bancário tradicional uma sensação de segurança, mas também encorajaram os financistas a buscar maiores lucros, assumindo riscos em áreas além do âmbito regulatório.
O sistema bancário obscuro resultante, a partir do último quarto de século -o mundo nebuloso de contratos de seguro corporativo desregulamentados e outros sabores dos chamados derivativos-, alimentou a loucura que entrou em metástase na crise global recente.
O governo havia domado o setor bancário tradicional. Wall Street se expandiu para um terreno mais aventuresco, erguendo cassinos além dos limites da regulamentação.
Esse sistema bancário na sombra se especializou em inovações que criavam a ilusão de que o risco estava sendo administrado de maneira responsável; em casos cruciais, elas na verdade intensificavam os perigos. A inovação financeira ajudou a Grécia a mascarar sua dívida, levando os bancos europeus a continuar emprestando. Isso gerou empregos para metalúrgicos alemães, cujas criações pousaram nas ruas de Atenas antes que a realidade superasse a ilusão e a crise inundasse a Europa.
O próprio conceito de inovação financeira hoje parece comprometido. Alguns derivativos propagaram estabilidade, permitindo que as empresas globais se protegessem de flutuações nas taxas de câmbio. Mas muitas inovações estão envolvidas em um esquema destinado a transmitir a sensação de que o risco estava sendo diluído, quando, na realidade, estava sendo ampliado e disseminado pelo mundo.
Quando as apólices de seguro falharam e os prejuízos se acumularam, as pessoas comuns perderam trilhões de dólares em riqueza, lares e empregos.
Alguns afirmam que os reguladores foram efetivamente enganados para serem complacentes pelas instituições financeiras hábeis em administrar a percepção de risco (mesmo enquanto se mostravam menos hábeis para administrar o próprio risco).
A política que envia os assessores políticos de Washington para empregos com altos salários de lobistas e banqueiros, enquanto transforma executivos de Wall Street em autoridades do Tesouro, há muito foi apresentada como motivo para se desconfiar das regulamentações.
Mas, diante da impenetrabilidade de Wall Street, alguns argumentam que não temos opção senão confiar nos especialistas financeiros para trabalhar nas agências reguladoras: para desarmar uma bomba, contrate alguém que conheça os explosivos.
"Se assumirmos a visão de que só pessoas com um passado acadêmico podem servir em agências reguladoras, teremos um governo empobrecido", diz Eugene A. Ludwig, executivo-chefe do Promontory Financial Group. "Essas fraquezas humanas estarão conosco para sempre."


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