São Paulo, segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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Recessão global ameaça unidade da Europa


O Leste endividado buscou a ajuda de banqueiros do Ocidente, que nunca chegou

Por NICHOLAS KULISH

Viena
O banqueiro austríaco Herbert Stepic e o empresário húngaro Laszlo Seres nunca se encontraram, mas estão ligados por 20 anos de negócios, dezenas de milhões de dólares de dívida e o sonho da prosperidade sem fronteiras possibilitado por uma Europa unida.
Hoje eles lutam para manter suas empresas em meio à recessão econômica. A Europa, que parecia tão unida durante os anos de crescimento, os obriga a encontrar por conta própria soluções para a crise.
O movimento em direção à União Europeia exigiu grandes doses de capital político e financeiro, e os bancos da Europa Ocidental despejaram dinheiro para empresários do Leste Europeu —caso de Seres, que o usou para construir milhares de metros quadrados de escritórios na florescente Budapeste, capital da Hungria.
Seres é apenas um dos 15 milhões de clientes de Stepic no enorme banco Raiffeisen International, servido por cerca de 3.200 agências em toda a Europa. Essa expansão para o Leste pareceu durante anos um processo inexorável e previsível, com a afiliação à União Europeia seguida pela entrada na zona econômica do euro.
Mas, enquanto o dinheiro do Ocidente provocou um surto de crescimento no Leste, essa visão grandiosa pode ter cegado os investidores para os riscos dos empréstimos internacionais, em moedas diferentes. Quando a crise chegou, o banco de Stepic, como muitos na Áustria, descobriu que sua carteira de empréstimos se deteriorara de maneira alarmante. Enquanto isso, Seres foi obrigado a um enorme esforço para conseguir dinheiro e tentar salvar seu império imobiliário. Ele tirou US$ 400 mil de suas economias pessoais para impedir que seu último empreendimento falisse.
“Durante mais de um mês eu quase não dormi”, disse Seres sobre o período no auge da crise financeira, quando ele temeu que não conseguiria fazer seus pagamentos no prazo.
Hoje, o empréstimo agressivo para novos projetos ambiciosos deu lugar a uma lenta e dolorosa reversão. De Estocolmo a Milão a Riga e Sófia, empresários na linha de frente da integração esperavam que o órgão executivo da União Europeia em Bruxelas e o Banco Central da região montassem um ousado pacote de socorro e estímulo para estabilizar os bancos e amortecer a severa recessão no Leste, especialmente na Hungria.
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, uniu-se às autoridades austríacas para pedir mais ajuda de Bruxelas para estabilizar a região.
Mas os líderes dos países mais ricos da Europa Ocidental, que haviam dado as boas-vindas a seus vizinhos em instituições como a Otan (aliança militar ocidental) e a União Europeia, recuaram quando a crise se agravou, correndo para proteger seus próprios bancos e empresas, mas resistindo à maioria dos pedidos para salvar empregos ou bancos em outros lugares.
“Não estamos lutando contra a má vontade. Eles simplesmente são incapazes e despreparados para mudar o padrão normal”, disse o banqueiro Stepic sobre os líderes europeus. “O principal é não cometermos erros geopolíticos, para evitar que algo por que lutamos durante 50 anos, criar uma Europa unida, agora seja rapidamente esquecido.”
Os países que usam o euro preferiram adotar o que Adam S. Posen, vice-diretor do Instituto Peterson de Economia Internacional em Washington, chamou de “agachamento defensivo” para proteger a moeda, que alguns temeram que enfraquecesse se os governos acumulassem dívidas para socorrer bancos e empresas em dificuldades.
Posen considerou isso uma abordagem míope, que ignorou os laços financeiros entre as regiões que constituem a Europa. “O fracasso na reação à crise econômica no Leste Europeu é, em si, a maior ameaça ao futuro crescimento e à estabilidade da zona do euro”, disse Posen.

Cegos aos riscos dos empréstimos internacionais

Stepic disse que há 20 anos ele começou a pressionar para que seu banco, o Raiffeisen Zentralbank, capitalizasse a queda do comunismo. Os anos da Guerra Fria haviam relegado a Áustria a uma posição de relativo isolamento. Mas agora o Raiffeisen poderia se expandir, fundando novos bancos em Polônia, Eslováquia, República Tcheca, Bulgária e Croácia, além da Hungria.
O momento foi “uma oportunidade única para a Áustria, para a Europa e para nossa organização”, disse Stepic, vice-presidente do Raiffeisen Zentralbank, matriz da Raiffeisen International.
Essa oportunidade se apresentou para empresários como Seres. Em 1998, ele emprestou cerca de US$ 2 milhões do Raiffeisen para financiar projetos de edifícios comerciais. “Sou um empresário conservador”, ele disse. “Mas você sabe que é impossível entrar num grande negócio imobiliário sem um banco.”
Esses laços proliferaram na região, enquanto a Europa se reconectava. Os bancos suecos fizeram investimentos significativos nos países bálticos. Bancos franceses, italianos e belgas entraram na área do antigo Pacto de Varsóvia. Os bancos austríacos estavam na vanguarda.
Em 2004, a União Europeia recebeu dez novos membros, incluindo a Hungria e sete outros antigos países comunistas do Leste Europeu, seguidos em 2007 por Romênia e Bulgária. O balanço do Raiffeisen aumentou 12 vezes entre 2000 e 2008.
Mas o antigo bloco oriental, tão dependente de financiamento externo, subitamente começou a parecer abalado no ano passado. O dinheiro que havia corrido para a Europa Oriental de repente estancou. “Subitamente, os bancos pararam de emprestar dinheiro”, disse Seres.
Em países como a França e a Alemanha, notícias de severas desvalorizações das moedas do Leste Europeu levaram a políticas protecionistas. O Banco Central Europeu, ao mesmo tempo, está se recusando a relaxar os rígidos critérios para aderir à união monetária.
O banco de Stepic viu o valor de empréstimos com mais de 90 dias de atraso quase triplicar, para cerca de US$ 5,2 bilhões, no final do segundo trimestre em junho, comparado com quase US$ 2 bilhões um ano antes.
Seres protegeu sua própria posição vendendo 30% de um empreendimento imobiliário. “Ninguém sabe qual é o valor no mercado, porque não há transações”, ele disse. “Ninguém compra prédios hoje. Na Hungria chamamos isso de ‘sentada’. Você senta e espera para ver.”


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