São Paulo, segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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NOSSA FORMA DE COMER

Vinícola tradicional cria novos discípulos

Por ERIC ASIMOV

HARO, Espanha — Enquanto a vinícola R. López Heredia se mantinha fiel a suas técnicas consagradas, o resto do mundo do vinho passava décadas tentando melhorar o que fazia, até praticamente fechar o círculo, terminando onde a López de Heredia sempre esteve.
Quase sozinha, essa vinícola de 132 anos se aferra à noção de que deve envelhecer seus vinhos até que estejam prontos para beber. A Rioja exige que os vinhos granreservas tenham um envelhecimento mínimo de seis anos antes que sejam lançados. A atual safra de muitos produtores dos gran reservas é de 2001. A López Heredia acaba de lançar gran reservas de 1991 e 87, vinhos graciosos, que mostram a finesse que advém de um longo envelhecimento.
E esses são só os tintos. A López Heredia faz Riojas brancos que envelhecem tão bem quanto.
Tintos ou brancos, esses vinhos são um ótimo negócio, a partir de US$ 25 a US$ 50 para “crianzas” e reservas, que podem ter 10 a 20 anos de idade. Mesmo gran reservas de 20 anos saem por menos de US$ 100, uma pechincha em comparação a vinhos franceses e italianos de idade e qualidade similares.
Mas, embora os vinhos da López de Heredia sejam quase singulares, suas ideias sobre o cultivo de uvas e a fabricação de vinhos se tornaram cada vez mais influentes, a despeito de preocupações estilísticas.
Por mais de 50 anos depois da Segunda Guerra Mundial, as grandes regiões vinícolas do mundo buscaram se modernizar. Os produtores substituíram o trabalho duro pela mecanização do cultivo, empregaram pesticidas, herbicidas e fungicidas químicos e adotaram as mais recentes recomendações tecnológicas.
Parte da tecnologia foi útil. Mas, tarde demais, muitos aprenderam que os produtos químicos estavam matando o solo e que as técnicas para ampliar a produtividade dos vinhedos também diminuíam a qualidade das uvas. Em todo o mundo do vinho, os produtores mais brilhantes se puseram a reaprender a sabedoria e as técnicas dos seus avós. Todos, exceto um produtor da Rioja, em Haro.
“Não precisamos, nunca perdemos isso”, disse María José López de Heredia, que hoje, junto com outros parentes, toca a vinícola fundada por seu bisavô. “A nova tecnologia é legal, mas não se pode esquecer a lógica da história.”
Durante décadas, a Rioja enfatizou a marca sobre o “terroir”. Muitos dos maiores nomes compravam uvas de diferentes partes da região, misturando-as para fazer vinhos que se adequavam a um estilo da casa, mas revelavam pouco sentido do lugar.
Mas a López de Heredia e algumas outras vinícolas da velha guarda, como a Marqués de Murrieta, sempre possuíram seus próprios vinhedos e cultivaram suas próprias uvas. Os vinhos da López, que vêm de quatro vinhedos diferentes, quase sempre revelam características da sua origem.
Hoje, um crescente número de produtores menores e mais jovens tenta, a exemplo da López de Heredia, trazer um sentido de origem para os seus vinhos, assumindo o controle dos vinhedos, melhorando sua vinicultura e se tornando mais conscientes a respeito dos ideais do “terroir”.
“Os produtores antigos queriam mostrar uma marca, não um lugar”, disse Telmo Rodríguez, que produz vinhos em toda a Espanha e recentemente, com um sócio, abriu uma pequena e admirável vinícola, feita de barro e de tábuas de velhos barris, na aldeia de Lanciego, a leste de Haro. “Quero fazer um vinho que possa mostrar uma aldeia.”
Rodríguez venera a López de Heredia. “Para mim, a única vinícola que funciona de forma autêntica é a López”, disse ele. “Seus vinhedos ainda são trabalhados num modo tradicional, com vínculos diretos com o passado.”
Percorrendo o terreno levemente acidentado da Rioja, fica cada vez mais difícil achar vinhedos plantados no antigo estilo dos vinhedos-arbustos, com seus ramos desordenados, subindo de troncos grossos e que crescem livremente. Com o estímulo das autoridades agrícolas, cada vez mais vinhedos são agora cultivados em fileiras ordenadas de treliças de arame, o que facilita o uso de tratores e colheitadeiras.
Rodríguez abomina as mudanças e tem buscado adquirir antigos campos de vinhedos-arbustos, que ele julga cruciais para um bom vinho da Rioja. “Estamos mais obcecados com a autenticidade do que com a beleza”, afirmou.
Na López de Heredia, há uma serenidade advinda da adesão a princípios essenciais. Por muitos anos, a vinícola foi criticada no país por ser retrógrada e antiquada. A apreciação vinha mesmo dos mercados de exportação.
“A aceitação no exterior fez as pessoas aqui na Espanha reconsiderarem nossos vinhos”, disse María José. “Há pessoas que querem voltar outra vez, e estamos felizes por ensinar.”


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