São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Pesquisa e manipulação

Vários leitores escreveram para reclamar da manchete de terça-feira ("Maioria quer afastamento de Dirceu, mas poupa Lula") e da forma como o jornal editou, naquele dia e na quarta, a pesquisa Datafolha que a ensejou (sobre o impacto do caso Waldomiro Diniz na população). Falou-se em leviandade, manipulação...
Segundo a reportagem, 67% dos eleitores brasileiros, de acordo com a pesquisa, consideram que o ministro-chefe da Casa Civil, a quem Diniz assessorava, deve se afastar do cargo.
Primeira crítica: como falar em "maioria dos eleitores" favorável ao afastamento, se 47% dos pesquisados dizem não ter tomado conhecimento das acusações contra Diniz, entendendo-se, portanto, que os tais 67% se referem apenas à parcela restante (53%), que conhece o caso?
Segunda crítica: como afirmar a existência dessa maioria, se 53% dos pesquisados dizem nunca sequer ter ouvido falar em Waldomiro Diniz?
Consultei o diretor do Datafolha, sociólogo Mauro Paulino, e concluí que, se há, sim, motivo para o surgimento desses questionamentos, eles, no entanto, carecem de sustentação e não invalidam, ao fim, a manchete.
Não a invalidam porque a pergunta sobre o afastamento foi respondida por todos os entrevistados. "Tanto os que afirmaram ter conhecimento prévio do caso quanto os que o desconheciam receberam dos pesquisadores uma descrição objetiva do ocorrido e só depois opinaram a respeito", esclarece Paulino.
O sociólogo faz uma analogia com as pesquisas eleitorais:
"Após responder espontaneamente em quem pretende votar, o entrevistado recebe um cartão com os nomes dos candidatos e responde em qual votaria. Ao ser abordada, a maior parte dos entrevistados nem sabe que haverá eleição, mas é introduzida ao tema e, depois, tem suas respostas coletadas e projetadas para o restante da população."
O diretor do Datafolha admite haver "restrições" em pesquisas como essa, na medida em que os entrevistados "são sempre instados a se posicionar instantaneamente a respeito de questões muitas vezes distantes de suas preocupações diárias". "Mas isso", acrescenta, "é inerente a qualquer pesquisa de opinião".
Penso, porém, que num aspecto aquelas perguntas em tom crítico têm explicação: é que esses esclarecimentos apareceram nos textos de forma muito tímida, ao pé da reportagem de terça.
Além disso, na de quarta, uma redação confusa dá a entender que os 67% dizem respeito, não ao conjunto dos entrevistados, mas só aos 47% que afirmam ter ouvido falar em Diniz.
Editorialmente, registre-se, mereciam mais destaque, também, com menção na Primeira Página, os dados sobre a ignorância a respeito do caso.
Apontar manipulação ou leviandade, a meu ver, não cabe aqui. Mas, certamente, faltaram didatismo e clareza na exposição dos resultados da pesquisa.



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