São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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Briga com a notícia

Poucas vezes a expressão "muro de silêncio" coube tão bem como na (ausência de) cobertura da greve dos servidores do Judiciário paulista, iniciada dia 27.
A categoria tem cerca de 42 mil trabalhadores espalhados por mais de 300 comarcas, foros distritais e regionais. Reivindica 54,31% de reajuste, entre outros itens, sem que haja contraproposta, até o momento, do Tribunal de Justiça (TJ).
Afora o total de pessoas, sua atividade atravessa interesses de toda a população, das ações cíveis ao sistema prisional, das brigas de família à ordem fiscal.
Apesar disso, somente os jornais "populares" - "Agora" e "Diário Popular"- acompanham a mobilização.
A Folha, que registrou o assunto pela primeira vez no dia 5 com uma foto de assembléia e três parágrafos num texto mais amplo, não esteve sozinha nessa omissão.
Foi, porém, mais longe, "detonando" a paralisação em reportagem nessa sexta-feira.
No texto, sem dar voz aos servidores, o jornal traz declarações do juiz-corregedor dos presídios, Otávio Augusto de Barros Filho (pelo TJ), e do adjunto da Segurança Pública, Mario Papaterra.
Seus dados indicam que com a greve se adiaram cerca de 6.000 audiências, piorando, por exemplo, a superlotação de presos nos distritos e cadeiões. "É o fim do mundo", sintetizou Papaterra.
Ora, se esse movimento teve e tem consequências tão graves assim, como explicar a sua ausência no noticiário dos "grandes jornais"? Por que a Folha o deixou de lado, para dele tratar somente agora, e com um nítido viés antigreve?
Não se reclama, aqui, que o jornal apóie a mobilização, mas apenas que não a ignore e que a trate com imparcialidade, conforme determina o seu "Manual da Redação".
Não pelos grevistas, mas pelo conjunto de seus leitores, envolvidos, sim, nos resultados desse movimento.

Escândalo no Acre
Essa briga com a notícia, aliás, se expressou em outro caso na semana que passou.
Trata-se da revogação da prisão preventiva de dois agricultores que ficaram detidos no Acre mais de dois anos, injustamente, sob acusação, sem provas, de estupro e assassinato.
O pai de um deles, inclusive, teria cometido suicídio por causa da situação quando o filho fez um ano de cadeia.
Nesse caso a Folha incorreu num erro menor e num maior.
O primeiro, nas edições regionais e na edição Nacional, foi confinar a notícia em uma nota de "Panorâmica", sendo que o evento, dramático, merecia ao menos chamada na primeira página do jornal.
O segundo erro, mais grave, foi simplesmente suprimir o texto na edição SP/DF.
É verdade que, nesse período, o noticiário embutiu episódios de alta galvanização, a começar pelo caso Abravanel.
Mas o leitor não tem culpa (ou tem?) de viver num país onde são tantos e simultâneos os fatos relevantes. O desafio do jornal é justamente saber selecioná-los.


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