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Fernando Trevisan

TENDÊNCIAS/DEBATES

O futebol brasileiro deve adotar o calendário europeu?

NÃO

Natal com neve, Carnaval sem gol

É saudável buscar referências dos países desenvolvidos para fazer comparações críticas. Essas nações têm muito a ensinar ao Brasil, especialmente em temas como combate à corrupção, redução da desigualdade social e acesso a ensino de qualidade. Porém, em alguns momentos, parece que insistimos em retomar o antigo eurocentrismo.

Um exemplo é a discussão acerca da adaptação do calendário futebolístico ao europeu.

O mote é evitar que nossos times percam jogadores para o Velho Continente durante o Brasileirão, principal torneio nacional, na "janela Fifa" de transferências do meio do ano. Deixando de lado o fato de que há outra "janela" no final do ano, o que não impediria por completo o suposto desmanche, o cerne da questão seria a incapacidade econômica dos clubes brasileiros de manter jogadores.

Isso mudou. Hoje, eles têm novas fontes de receita, e só 15% do total refere-se à venda de jogadores.

Assim, além de não atacar a raiz do problema, a proposta ignora a centenária cultura futebolística e importantes costumes de nosso país. O brasileiro planeja suas atividades, descanso e obrigações a partir do ano solar do calendário gregoriano, de janeiro a dezembro.

As empresas definem esse intervalo como ano fiscal, as famílias programam as férias mais longas no verão, as escolas dividem seus períodos letivos para começar e terminar no mesmo ano.

Comemorar o título de 2012 em maio de 2013, passar boa parte da metade do ano sem ver o seu time do coração em campo e assistir a partidas importantes em pleno domingo de Carnaval, entre o Natal e o Réveillon ou no dia 2 de janeiro exigiriam mudança de costumes muito maior que o campeonato por pontos corridos, uma aquisição inteligente do modelo europeu.

A mudança também não faz sentido no cenário econômico atual. Desde 2008, em contrapartida à crise no hemisfério Norte, os países emergentes passaram a ser muito atraentes para o capital estrangeiro, humano ou financeiro.

Esse movimento ocorre em vários setores, como mostram o aumento anual de quase 85% nos investimentos diretos estrangeiros no país e o crescimento de 23% na concessão de vistos de trabalho a profissionais de outras nações (56 mil em 2009, segundo o Ministério do Trabalho).

Paralelamente, houve decréscimo de quase 50% naquele ano na quantidade de brasileiros que saíram do país em busca de oportunidades no exterior, revela a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

Nosso futebol acompanha esse processo. Segundo dados levantados pelo advogado Marcos Motta, 120 jogadores brasileiros retornaram ao país nos últimos dois anos, e caiu pela metade o número dos que saíram em 2011: 23.

Sem contar a emblemática decisão do craque Neymar de permanecer no Brasil até 2014. Ele levou em conta o desejo de continuar perto da família e dos amigos, da cidade em que nasceu e do clube do qual gosta, mas esses elementos talvez não fossem suficientes para o "fico" se o Santos não tivesse desenhado projeto que garantisse remuneração equivalente pelo menos ao 50º maior salário da Europa.

Com o fluxo financeiro atual, a perspectiva de crescimento sustentado e o interesse dos países pelo Brasil, é possível desenvolver estratégias de retenção e repatriação de talentos. Portanto, a mudança do calendário, além de inócua, seria uma capitulação ao poderio econômico dos clubes europeus e não contribuiria para o fortalecimento de nosso futebol.

FERNANDO TREVISAN é presidente da Trevisan Gestão do Esporte e diretor-geral da Trevisan Escola de Negócios.
E-mail: fernando.trevisan@trevisan.edu.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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