|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
De Meca e de lucros
SÃO PAULO - Um dos grandes
trunfos do capitalismo (e do Ocidente, seu quartel-general) é a
imensa capacidade de digerir adversários e até inimigos e devolvê-los ao grande público como produtos, como "business".
O exemplo mais antigo é o da efígie de Che Guevara. Vivo, era um
combatente anticapitalista. Morto,
virou imagem em t-shirts e lucro
para os fabricantes.
Exemplo mais imediato está na
página A9 da Folha de ontem: um
jovem libanês banhado em sangue
depois de cortar a cabeça com a espada na Ashura, o ritual que marca
o martírio do neto do profeta Maomé. O sangue soará como aberrante
para boa parte dos ocidentais (a
mim não, desde que não custe sangue alheio).
Mas o respeito ao ritual ancestral
não impede que o jovem, ainda ensangüentado, fale ao celular, hoje o
mais disseminado símbolo do consumismo (em tese a antítese do
martírio) e da capacidade de veloz e
até feroz renovação das tecnologias
no Ocidente.
Não é caso único: o jornal espanhol "El País" relata o avanço na
Europa dos produtos "halal" (lícitos segundo os preceitos do islamismo). À primeira vista, é o triunfo da tradição sobre o modernismo
(suposto ou real) representado pelos métodos ocidentais.
Mas, à segunda vista, o "boom"
do "halal" é fruto do desejo da terceira geração de islamistas na Europa de, em mantendo tradições,
poder consumi-las nos supermercados, como qualquer europeu, em
vez de ser obrigado a fazê-lo em pequenas lojas de pequenos guetos.
Aí surge o espírito animal do capitalismo para atendê-los. Lógico: a
fatia de mercado para esse tipo de
produto é de US$ 18 bilhões.
Até porque não há fiscalização
suficiente para saber se o frango,
por exemplo, foi degolado olhando
para Meca, uma das condições para
ser "halal". A meca para a qual olha
o capitalismo é o lucro.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Escalada de mortes
Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: A vez dos blocos Índice
|