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CARLOS HEITOR CONY
Poupando energias
RIO DE JANEIRO - Era imponente o tio Zé. Trabalhava a semana inteira,
médico de clínica geral, dava três expedientes por dia. Pela manhã, o
Hospital Miguel Couto, até o meio-dia. À tarde, o consultório particular
em Botafogo, na rua Conde de Irajá,
uma clientela miúda, mais para pobre do que para remediada. À noite,
plantão numa Casa de Saúde da
classe média, na Tijuca.
Nada de admirar que, ao visitá-lo,
nos fins de semana, as sobrinhas pisassem na ponta dos pés pela casa do
tio Zé. Tia Alice botava o dedo indicador na ponta dos lábios e pedia silêncio, ninguém podia fazer barulho,
tio Zé estava poupando energias.
Poupar energias para o tio Zé era
um ritual complicado como uma
missa solene a quatro vozes, ou como
eleição de grão-mestre numa loja
maçônica. Ele se estirava na cama, os
braços abertos como um crucificado,
o quarto às escuras, não fazia nenhum movimento, tia Alice vinha
com o almoço e o jantar, alimentava
o marido como se desse comida a um
inválido.
Para beber água, havia o canudinho de plástico, dobrado na ponta,
tio Zé nem podia se sentar na cama,
poupava energias.
As sobrinhas cresceram e descobriram que tio Zé de fato trabalhava
muito. Assinava ponto no Miguel
Couto e se mandava para a casa de
Taís, onde almoçava. À tarde, ia para
o consultório, que mantinha com
uma colega de faculdade. Não atendia a nenhum cliente, que não os tinha. À noite, na Casa de Saúde, examinava às pressas as guias de internação do INSS e se mandava para o
Arpège, onde Waldir Calmon tocava
boleros e ele sempre se defendia com
aquilo que antigamente chamavam
de "dama da noite".
Tio Zé tinha um bom apartamento,
carro, um terreno em Saquarema, de
frente pata o mar. Como ele administrava tudo isso foi um mistério para
as sobrinhas. De tanto poupar energia aos sábados e domingos, ele conseguia o impossível.
Quando morreu, de complicações
na próstata, deixou para as sobrinhas o terreno em Saquarema.
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