São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O caldeirão da turbulência
MARCO ANTONIO VILLA
A direita não conseguia conviver com uma democracia de massas em um momento da nossa história de profundas transformações econômicas e sociais, graças ao rápido processo de industrialização e à crescente urbanização. Temerosa do novo, buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela República, que nasceu com um golpe de Estado. A esquerda comunista não ficou atrás. Também sempre esteve nas vizinhanças dos quartéis, como em 1935, quando tentou depor Vargas através de uma quartelada. Depois de 1945 buscou incessantemente o apoio dos militares e alcunhou alguns como "generais e almirantes do povo". Ser "do povo" era comungar com a política do Partido Comunista Brasileiro e estar pronto para atender ao chamado do partido em uma eventual aventura golpista. As células clandestinas do PCB nas Forças Armadas eram apresentadas como uma demonstração de força política -Luís Carlos Prestes chegou a dizer a Nikita Kruschev, em janeiro de 1964, que os comunistas tinham dois generais no alto comando do Exército. À esquerda do partidão havia os revolucionários, os adeptos da luta armada. O Partido Comunista do Brasil era um deles. Defendia a revolução ao estilo chinês, na qual o campo deveria cercar as cidades. Queriam logo iniciar a luta armada, tanto que enviaram, em março de 64, o primeiro grupo de guerrilheiros para treinar na Academia Militar de Pequim. As Ligas Camponesas -que desejam a reforma agrária "na lei ou na marra"- organizaram campos de treinamento guerrilheiro no país ainda em 1962: militantes foram presos e foram encontrados documentos que vinculavam a guerrilha com Cuba. Já os brizolistas, principalmente após a criação dos Grupos dos Onze, embrião do que consideravam um partido revolucionário, julgavam que tinham ampla base militar entre soldados, marinheiros, cabos e sargentos. Numa conjuntura radicalizada, esperava-se do presidente da República um ponto de equilíbrio político. Ledo engano. Se João Goulart não estava nem com a direita udenista e muito menos com a esquerda revolucionária, não jogava pela preservação da democracia. Articulava pela sua permanência na Presidência -a reeleição era proibida- e necessitava emendar a Constituição: nesse jogo, recebeu apoio público de Prestes. Sinalizava que tinha apoio nos quartéis para, se necessário, impor pela força a reeleição. Organizou um "dispositivo militar" que "cortaria a cabeça" da direita. Insistia a todo momento que não podia governar com um Congresso Nacional conservador, apesar de o seu partido -o PTB- ter a maior bancada na Câmara em março de 1964 e de não ter encaminhado à Casa os projetos de lei para viabilizar as reformas de base. Em meio ao golpismo, a democracia sobrevivia aos trambolhões. Defendê-la era, segundo a esquerda golpista/revolucionária, comungar com o liberalismo burguês, ou, de acordo com a direita, com o populismo varguista. Atacada por todos flancos, acabou destruída, abrindo as portas para duas décadas de arbítrios e violências. 1964 ensinou a importância da preservação da democracia, a necessidade imperiosa da convivência dos contrários de que o presidente da República tenha vontade de governar, iniciativa política e efetivo comando do Poder Executivo. Marco Antonio Villa, 48, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)" (Globo). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Saulo Ramos: Pobre não tem vez Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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